Evento | Disputa de futuros – Um relato do evento Entre o ambiental e o digital: rumo à COP30 |
Disputa de futuros – Um relato do evento Entre o ambiental e o digital: rumo à COP30
Documento elaborado por Gabriela Vergili
Agradecimentos
Agradecemos à Fundação Heinrich Böll e equipe que apoiou o desenvolvimento e comunicação do evento e forneceu o espaço para que pudéssemos concretizá-lo. Ao Instituto Clima e Sociedade por fomentar o debate da interseção entre direitos digitais e ambientais.
Agradecemos a Polinho Mota, da Data_Labe, e Marcelo Montenegro, Fundação Heinrich Böll, pela rica participação no painel de discussão, central para o desencadeamento de debates do evento.
Agradecemos a Jessica Siviero e Junior Aleixo (Action Aid), Solon Veloso (Alma Preta), Igor Rolemberg (CPDA), Leonardo Montel, Marilene de Paula, Mayara Costa, Michael Alvarez, Regine Schönenberg e Valentina Avelluto (Fundação Heinrich Böll), Zeilane Conceição (Nupef), Gaio Paiva (Prefeitura do Rio de Janeiro), Natane Santos (UFRJ), Cleber Ribeiro (Uniperifas) e Victória Teixeira (Visão Coop) pela escuta, generosidade e disposição de compartilhar conhecimentos e experiências, fortalecendo as trocas nessa complexa intersecção entre ambiental e digital.
Proposta do evento
O evento “Entre o ambiental e o digital: rumo à COP30” é um componente do projeto “Clima, uso da terra e fluxo de dados: conciliando direitos individuais e coletivos” desenvolvido pela Data Privacy Brasil, com apoio do Instituto Clima e Sociedade. Este evento visa conectar especialistas das áreas de proteção ambiental e combate às mudanças climáticas e defensores de direitos digitais, direcionando o olhar para temas relevantes para a COP30.
Nos últimos anos, a Data Privacy Brasil têm se debruçado sobre questões envolvendo transparência pública, dados pessoais e impacto socioambiental. Durante esse período, identificamos a importância da ampliação da transparência de bases de dados ambientais e correlatas e a ratificação do Acordo de Escazú como passos importantes para reforçar a legislação local em prol da defesa do meio ambiente, do acesso à informação, do controle social e da proteção de defensores ambientais.
A vinculação entre as bases de dados públicas necessárias para a melhor fiscalização do território é outra etapa que contribuiria para a proteção ambiental. Esta vinculação melhoraria a qualidade dos dados em si e a transparência dessas informações tornando-as mais acessíveis. Nesta linha, a infraestrutura pública digital (IPD), por depender justamente da interoperabilidade e ser regida pelo valor público, pode ser um caminho para a integração e cooperação entre órgãos a fim de fortalecer o cumprimento da legislação ambiental.
Contudo, sabemos que as tecnologias digitais nem sempre são a melhor solução e por isso, decidimos incluir no evento a temática do impacto dessas ferramentas. Sejam elas implementadas para fins de proteção ambiental, como poderia ser o caso da IPD, quando para uso geral, tecnologias têm um grande impacto ambiental. Impacto que parece ter sido acelerado com os data center para suporte de inteligência artificial.
Todas estas temáticas têm seu lugar na COP30, tanto para demonstrar a importância de dados e acesso à informação, desenvolvimento de pesquisa e controle social para auxiliar na proteção do meio ambiente, como para alertar sobre os cuidados necessários para garantir que o uso de tecnologias seja verdadeiramente efetivo.
Dinâmica inicial
O evento foi iniciado com uma dinâmica coordenada por Johanna Monagreda, pesquisadora da Data Privacy Brasil, que visava ao mesmo tempo ser uma rodada de apresentações e um momento para introduzir a trocas sobre como cada participante enxergava as conexões entre tecnologia, tratamento de dados pessoais e meio ambiente.

Nesta primeira roda de conversa, a discussão abordou assuntos como assimetrias e racismo ambiental, benefícios e desafios da conectividade em comunidades, processamento de dados por inteligência artificial, transparência pública e acesso à informação.
O ponto de partida foi como o acesso às tecnologias digitais é uma escolha política dos representantes locais. As assimetrias se iniciam com a falta de infraestrutura que viabilize o acesso, por exemplo, falta de torres de transmissão de internet ou cabeamento.
Essa falta de acesso gera uma alteração de prioridades. Uma pessoa que foi privada do acesso a certas tecnologias tende a não se preocupar com o impacto delas sobre si, por exemplo com a proteção de seus dados pessoais, uma vez que o acesso por si só é mais urgente. Nesta linha, foi apontada a questão do recuo do uso do termo racismo ambiental, que tem sido substituído por conceitos como justiça climática ou socioambiental, como termo mais palatáveis, mas que suavizam em excesso a denúncia que precisa ser feita.
Em vista das disparidades que existem até mesmo dentro de um mesmo bairro, ao se tratar de questões territoriais, locais, de comunidades específicas, buscar soluções homogêneas impede o alcance de soluções efetivas e retiram a agência da população local para decidirem o que precisa ser feito.
A tomada de decisão e identificação de estratégias, bem como a elaboração de denúncias e ações de controle social frente à administração pública, para buscar a proteção de seu território, de sua comunidade e do meio ambiente muitas vezes depende de dados públicos. Dentre eles, dados pessoais que são de interesse público, como dados contidos no Cadastro Ambiental Rural (CAR), na Guia de Trânsito Animal (GTA), Sistema de Gestão Fundiária (Sigef), entre outros.
Painel: IA, combate às mudanças climáticas e impacto ambiental
O painel
Mediado por Pedro Saliba, coordenador da área de Assimetrias e Poder da Data Privacy Brasil, o painel IA, combate às mudanças climáticas e impacto ambiental buscou equilibrar reflexões sobre riscos e benefícios da implementação de tecnologias no contexto socioambiental.
A primeira fala foi de Marcelo Montenegro, da Fundação Heinrich Böll, abarcando as seguintes questões:
- Nos últimos anos temos visto a preocupação com justiça socioambiental estar presente em temas diversos. Como a Fundação Böll tem percebido esse movimento?
- Temas voltados para a tecnopolítica também são afetados com questões socioambientais. Você pode trazer alguns pontos que considera importantes nesse sentido?
Marcelo reforçou o impacto da desigualdade quando se trata dos efeitos causados pela degradação ambiental e as consequentes mudanças climáticas. É um contexto em que tecnologias que podem ser uma ameaça ao território, desde vigilância a aplicação de agrotóxicos, por exemplo, interferem de forma ainda mais grave na realidade local. Tudo isso agravado pelo lobby intenso de setores como o de combustíveis fósseis e pelo financiamento climático que atualmente não foca em propostas que efetivem a justiça climática, e passam a direcionar verba para projetos desenvolvidos pelo setor privado e que por vezes pioram o dano ao meio ambiente e às comunidades locais.
Em vista da variedade de tecnologias digitais que são implementadas como inovação, a exemplo da plataformização dos sistemas alimentares, intensificação de uso de drones na produção agrícola, novas fontes de energia, entre outros, é importante o olhar para o tecnosolucionismo e a busca por soluções hegemônicas que nos afastam da conexão com o território, as comunidades e os saberes tradicionais – que também precisam ser reconhecidos como inovação e não técnicas ultrapassadas.
Assim, finalizou reforçando a importância de se repensar soluções tecnológicas a partir do que deveria ser a nossa relação com a natureza e como a prevalência da separação entre o artificial e natural irá apenas agravar as injustiças.
Na sequência, a fala de Polinho Mota, do Data_Labe, teve o seguinte direcionamento:

- Como ativistas já utilizam ou podem utilizar tecnologias digitais para luta por justiça socioambiental? Quais são os riscos que a IA pode trazer para territórios?
- Qual o papel dos dados para a construção de esforços coletivos em prol de direitos humanos, tanto em plataformas digitais, quanto nos territórios?
Em resposta aos questionamentos, Polinho reforçou o papel da sociedade civil como impulsionadora de projetos de vida. Isto é, o olhar e estratégia da sociedade civil deveria ser desenvolver projetos que fortaleçam a existência e preservem os indivíduos. Alguns exemplos são os projetos desenvolvidos pelo Data_Labe Põe na mesa, que visa criar uma rede de hortas coletivas que antes eram iniciativas isoladas, e Quilombo sem lixo, ainda para ser lançado, que pretende evidenciar ao poder público o problema do lixo inadequadamente descartado em território quilombola. Estes projetos ou são uma iniciativa própria da população local ou se desenham por meio da escuta sobre o que cada comunidade e localidade necessitam e inserem estas pessoas no processo de desenvolvimento e execução das ações e a tecnologia entra como ferramenta para unir a própria comunidade.
Tais projetos de vida se opõem a projetos de morte, que não consideram as demandas locais, excluindo, colocando em risco ou até mesmo causando dano, em especial a grupos marginalizados. Em casos que envolvem tecnologia um exemplo são muitos dos projetos de implementação de data centers, em que opta-se pelo caminho mais lucrativo, sem considerar o impacto à terra e às comunidades locais.
Esta falta de cuidado com o local, com as particularidades de cada território, são transmitidas também para a tecnologia. A inteligência artificial por essência busca padrões, traz a visão homogeneizada da realidade, o que na prática significa o apagamento de grupos inteiros. Nesta linha, a sociedade civil se desgasta quando tenta impedir projetos de morte, o que por vezes gera poucos resultados, ela ganha mais direcionando sua energia a projetos que vão em sentido contrário à homogeneização, projetos de vida que enxergam e podem direcionar a tecnologia a atender necessidades específicas.
Debate na roda

Quando a mesa foi aberta ao debate dos demais participantes, o diálogo com o que foi colocado pelos painelistas também reavivou alguns tópicos que foram pincelados no primeiro momento do evento.
Quanto às questões de infraestruturas físicas, foi apontado como a ausência dessa infraestrutura que deveria ter sido endereçada pelos governantes também abre espaço para uma intervenção mais intensa de indivíduos ou instituições privadas que têm interesses no território, como é o caso da instalação de pontos de internet por satélite.
Além de ausência de infraestrutura e interesse político e econômico na implementação de projetos que verdadeiramente atendem comunidades, há de se destacar a dificuldade de manutenção das iniciativas devido a falhas tecnológicas. Soluções que vêm com muita rapidez ou em situações emergenciais nem sempre são implementadas considerando defeitos da tecnologia, custos de reparo e manutenção, peculiaridades da região que podem impactar o funcionamento, como fatores climáticos, conectividade e redes de energia etc. E isso também se relaciona ao impacto tecnológico, o planejamento completo diz respeito à pensar o melhor uso da tecnologia e não recorrer a um solucionismo tecnológico. É sobre buscar que sua instalação e uso seja significativa.

Neste contexto, a participação ao menos das lideranças locais é essencial para adaptar projetos e alcançar o senso de pertencimento. De mesmo modo, quando a população consegue identificar, nomear e apontar o racismo ambiental, ela também consegue se sentir pertencente, se proteger, resistir e ser mais assertiva em suas demandas, tanto para solicitar ou até mesmo organizar iniciativa, quanto para buscar barrar intervenções privadas ou estatais que as prejudicam.
Próximos passos para ação coletiva
Ainda existe muito espaço para fomentar e estreitar relações entre organizações da sociedade civil que visam proteger o meio ambiente e as que se debruçam sobre a defesa de direitos digitais. Felizmente, é um processo que já se iniciou há algum tempo e que diversas organizações já adentram em questões que se alocam na intersecção entre os dois temas.
Observa-se que nesse contexto, que inclui todos os setores, existe uma disputa de futuros pautada por um desequilíbrio entre interesses político-econômicos e os interesses socioambientais. Cabe à sociedade civil buscar encaminhar o uso das tecnologias digitais para que ele seja efetivo, significativo, útil, de impacto positivo.
A ponte entre o ambiental e o digital precisa ser edificada sob os cimentos de princípios como transparência, prestação de contas e máxima publicidade. Nesse sentido, bases de dados abertas, interoperáveis e em concordância com o direito à proteção de dados pessoais se configuram como ferramentas indispensáveis para a gestão e análise de informações socioambientais, e também e primordialmente para o exercício da participação cidadã e do controle social em busca da sustentabilidade.
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