Artigo | Estamos de olho no Pacto Global Digital |

Estamos de olho no Pacto Global Digital

 Estamos de olho no Pacto Global Digital

por Jaqueline Pigatto e Mikael Servilha

O que é o Pacto Global Digital e por quê é importante ficar atento a ele? 

Colocado como uma das principais ações das Organização das Nações Unidas (ONU) para acelerar o alcance dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, o Pacto Global Digital está sendo proposto pelo Secretariado da ONU como um “texto-chave para a cooperação digital” a ser acordado na Summit of the Future (ou Cúpula do Futuro), em setembro de 2024. Espera-se que o Pacto Global Digital seja um dos principais resultados desse evento no próximo ano.

O ponto de partida deste movimento global da ONU foi a Declaração sobre a comemoração do 75º aniversário das Nações Unidas, adotada pela Assembleia Geral em 21 de setembro de 2020. Em termos gerais, a Declaração busca “moldar uma visão compartilhada sobre cooperação digital e um futuro digital que mostre todo o potencial para o uso benéfico da tecnologia, e também abordar a confiança e segurança digital”; e sublinha que “a ONU pode fornecer uma plataforma para que todas as partes interessadas participem dessas deliberações”.

O caminho para a formação de uma visão compartilhada de cooperação digital ganhou mais força logo em seguida. Com uma linguagem mais objetiva, o Relatório do Secretário-Geral (denominado Our Common Agenda), de setembro de 2021, apresentou formalmente o formato da trilha multissetorial a ser realizada durante uma etapa preparatória – anterior à rodada de negociações. A Agenda tem 12 “compromissos”, sendo que o 7º está relacionado à cooperação digital. Outras áreas incluem desenvolvimento sustentável, uma nova agenda para a paz e ação climática.

O Relatório do Secretário-Geral também destacou algumas das questões digitais complexas que poderiam ser abordadas e propôs um Summit of the Future “para forjar um novo consenso global sobre como deve ser nosso futuro e o que podemos fazer hoje para garantí-lo”. Ainda sobre isso, o documento também indicou a Summit of the Future como um evento multissetorial de alto nível “para promover ideias para arranjos de governança” e instou o Fórum de Governança da Internet (IGF) “a adaptar, inovar e reformar para apoiar uma governança efetiva dos bens comuns digitais”.

De fato, desde 2018, a ONU aumentou seu papel como catalisador de políticas digitais, com uma agenda ampla e envolvendo diferentes atores em processos consultivos. Em 2018, o Secretário-Geral Antonio Guterres cria o Painel de Alto Nível sobre Cooperação Digital. Composto no caráter multissetorial, o Painel abre chamada pública de contribuições e lança em 2019 seu relatório “A Era da Interdependência Digital”. Em 2020, algumas áreas de foco começam a ser delineadas no “Roteiro para Cooperação Digital”, cuja implementação é liderada pelo Enviado de Tecnologia da ONU, Amandeep Singh Gill.

O Pacto Global Digital surge como um momento de síntese destes processos anteriores, ao mesmo tempo que permite uma importante revisão das prioridades da agenda digital global. Em 2025, haverá uma revisão do processo da Cúpula Mundial para a Sociedade da Informação (WSIS) e a questão da continuidade para o IGF, à medida que nos aproximamos da Agenda 2030 e examinamos mais de perto os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável.

O que está acontecendo no primeiro trimestre de 2023?

Partindo do Relatório do Secretário-Geral, a ONU afirma que tem se mobilizado para sustentar a trajetória do Pacto Digital como “uma oportunidade única para trazer todos, governos, sociedade civil e setor privado, para chegar a um acordo sobre que tipo de futuro digital queremos e precisamos”.

O processo que visa culminar na proposta-texto do Pacto Global Digital encontra-se atualmente em fase consultiva – que será um tema consolidado para posterior discussão e negociação pelos Estados-membros.

O Gabinete do Enviado para Tecnologia abriu um formulário de consulta onde os comentários podem ser enviados. É um processo aberto a todos para compartilhar pontos de vista, até 31 de março de 2023.

Além disso, a partir de 30 de janeiro, haverá algumas consultas informais com os Estados Membros e Partes Interessadas sobre “O Pacto”. Destacamos as duas consultas online abertas à Sociedade Civil e à Academia, que ocorrerão no dia 3 de fevereiro, 10:00-13:00 e 15:00-18:00 ET. Para participar, deve-se realizar inscrições que vão até 29 de janeiro de 2023.

 

Por que é importante que a Sociedade Civil incidir sobre isso?

A Nota de referência do Pacto Global Digital indica que as Nações Unidas irão compilar e apresentar as contribuições para informar as deliberações do texto do Pacto. Nesta linha, a ONU tem reiteradamente manifestado que sua vontade é conseguir essa resolução por meio de uma trilha multissetorial de tecnologia, ainda que não garanta que as negociações em torno do texto incluam todas as partes interessadas.

Mesmo como um processo de consulta, é uma boa oportunidade a ser explorada, pois não há barreiras institucionais à participação. No entanto, existem outras razões que tornam muito mais relevante participar da fase consultiva.

Para a sociedade civil, acompanhar de perto o processo e apresentar visões para as discussões do Pacto Global Digital pode se mostrar um movimento necessário (e não um fim em si), dada a relevância que a ONU lhe atribui. Ficar de fora pode representar uma perda de oportunidade, dado o arranjo amplo e de longo prazo da agenda internacional que se estabeleceu – neste momento com o objetivo de levar à Summit of the Future, em 2024. Este evento deve mobilizar debates não apenas em nível global, mas também localmente. Sem contar que deve atrair muita atenção no ano que vem e, assim, favorecer o advocacy e campanhas de conscientização da população, por exemplo.

Essa consulta novamente se mostra necessária quando vista como mais uma oportunidade de capturar essa narrativa multissetorial – mais uma vez proposta pela ONU – e fortalecer a pressão da sociedade civil para que sua voz seja realmente ouvida.

Ao pensar na Sociedade Civil do Sul Global, sua contribuição ativa torna-se ainda mais necessária neste momento inicial do processo de médio/longo prazo. Uma vez reconhecido que as narrativas do Norte Global, por diversas razões, costumam ter domínio nesse tipo de engajamento, a participação de atores do Sul Global é indispensável para alcançar um compromisso verdadeiramente global.

Além disso, a incidência nesta consulta pode ser mostrada como uma oportunidade para o ativismo do Sul Global unir forças e propor conjuntamente visões comuns, como uma estratégia para levantar suas vozes para um campo de debate mais amplo. Mais do que isso, sua participação neste processo consultivo pode potencializar ainda mais suas demandas durante 2023/2024, quando a Summit of the Future e o texto do Pacto Global Digital provavelmente estarão entre os trending topics da política internacional.

Qual é o formato para enviar uma contribuição?

O formulário direciona as contribuições para uma linguagem direta e objetiva. É um questionário simples – de fácil preenchimento – dividido nas seguintes áreas:

  • Conectar todas as pessoas à Internet, incluindo todas as escolas
  • Evitar a fragmentação da Internet
  • Proteger dados
  • Aplicar os direitos humanos online
  • Responsabilidade por discriminação e conteúdo enganoso
  • Regulação da inteligência artificial
  • Bens comuns digitais como um bem público global
  • Outras áreas (“se houver alguma área adicional que você ache que também deva ser incluída no Pacto Global”)

A partir dessas áreas, a ideia é coletar submissões organizadas em dois aspectos, princípios centrais e compromissos-chave, da seguinte forma:

  1. Princípios básicos que todos os governos, empresas, organizações da sociedade civil e outras partes interessadas devem aderir;
  2. Principais compromissos, promessas ou ações que, em sua opinião, devem ser tomadas por diferentes partes interessadas – governos, setor privado, sociedade civil, etc. – a fim de realizar os princípios mencionados acima (por favor, seja o mais específico e orientado para a ação possível).

A Associação Data Privacy Brasil de Pesquisa incentiva fortemente o engajamento ativo da sociedade civil durante todo o processo (mesmo após 31 de março) e acredita que várias estratégias e ações do Sul Global podem acontecer a partir desse movimento da ONU. Se você é uma entidade da sociedade civil do Sul Global e deseja participar de nossa contribuição conjunta, entre em contato com [email protected] ou [email protected].