Evento | Justiça comunitária como ponto de partida para o combate à grilagem Um relato do evento COP30, dados e uso da terra: conversando sobre agendas de combate à grilagem |
Justiça comunitária como ponto de partida para o combate à grilagem Um relato do evento COP30, dados e uso da terra: conversando sobre agendas de combate à grilagem
Agradecimentos
Agradecemos a Itahu Ka’apor e José Mendes (Centro Formação Saberes Ka’apor), Lincon Sousa e Luísa Falcão (Maparajuba), Luiz Claúdio Teixeira (Movimento Xingu Vivo) e Laura Carolina Vieira (pesquisadora) pela disposição e generosidade de participar ativamente da roda de conversa compartilhando conhecimentos e experiências que foram essenciais para compreendermos melhor os impactos da grilagem. Também agradecemos à COP do Povo pelo espaço e disponibilidade na programação.
Proposta do evento
O evento “COP30, dados e uso da terra: conversando sobre agendas de combate à grilagem” é parte das atividades previstas para o projeto “Clima, uso da terra e fluxo de dados: conciliando direitos individuais e coletivos” desenvolvido pela Data Privacy Brasil, com apoio do Instituto Clima e Sociedade. Este evento foi sediado na COP do Povo, no dia 12 de novembro de 2025, em Belém-PA, pretendendo ser um espaço trocas entre a sociedade civil sobre a importância da transparência pública de dados pessoais para fortalecer o combate ao desmatamento e à grilagem e a garantia da justiça territorial, alocando a discussão no contexto da COP30 e considerando agendas futuras.
O evento é consequência de observações feitas em pesquisas ao longo dos últimos anos sobre a importância da transparência pública de dados ambientais, incluindo certos dados pessoais. A transparência é essencial para equilibrar um cenário extremamente desigual, marcado por violências e violações de direitos das comunidades locais. E parece relevante discuti-la frente ao grave problema da grilagem no Brasil e dentro do contexto da COP30.
Roda de conversa
Dinâmica

O evento tomou como estrutura uma roda de conversa mais livre, que possuía um roteiro base, mas que se desdobraria conforme as contribuições dos participantes. A dinâmica durou cerca de 1h30 e foi principalmente conduzida pelo coordenador da área de Assimetria e Poder, Pedro Saliba, com apoio da pesquisadora Gabriela Vergili.
O objetivo inicial era compreender um pouco mais sobre a relação dos participantes com a grilagem, isto é, se eram diretamente impactadas pela prática no seu dia a dia ou se trabalhavam com o tema em pesquisas ou ativismo. E a partir daí questionar sobre a transparência e direitos digitais, traçando um contexto em que identificamos dados e bases de dados relevantes para o combate à grilagem, bases de dados, beneficiários da transparência pública e da falta dela, problemas do sistema atual e ideias sobre como mudar este cenário.
Dados relevantes
Durante a conversa, foram mencionados como informações relevantes: nome do proprietário, sobreposições e proximidade com terras indígenas, coordenadas e número de registro das propriedades griladas, datas de cadastros e registros, documentações como autorização de mineração e termos de autorização de uso, e ainda informações sobre as práticas na proximidade de terras indígenas e comunidades, sejam em terras griladas ou não, como riscos das atividades à comunidade local e uso de recursos naturais, como consumo hídrico.
Problemas do sistema atual
Quanto à discussão em si, dentre os participantes estavam pessoas que sofriam diretamente em suas comunidades os impactos e violências da grilagem, que relataram dificuldade inicial do acesso a informações, em especial pela falta de acessibilidade dos sistemas por não serem simples e não terem instruções sobre como utilizar. Por vezes, dados relevantes não eram obtidos pela dificuldade em identificar as informações corretas em documentações, mapas difíceis de utilizar para identificar propriedades sem coordenadas precisas, ainda havendo a simples falta de transparência de certas informações, como nomes de proprietários.
Além dos problemas com transparência também foram relatadas graves preocupações com a corrupção e a instrumentalização dos órgãos estatais para viabilização da grilagem. Nos relatos, as fraudes foram um ponto relevante, e a desconfiança de órgãos públicos em suas unidades locais, como o Incra, forma levantadas tanto por fiscalização insuficiente como pela terceirização de serviços que favorecem a corrupção de servidores que fraudam cadastros/registros e garantem a aparência de legalidade para propriedade griladas. Isto é um problema em bases de dados do Cadastro Ambiental Rural (CAR), mas também no Sistema de Gestão Fundiária (Sigef).

É justamente por conta da corrupção, por entenderem que os órgãos públicos também estão à mercê do poder local (indústrias, grandes latifundiários e políticos), que é difícil identificar onde e como fazer denúncias de violações. A falta de confiança tem afastado os cidadãos de comunidades tradicionais do poder público que deveria protegê-las.
O que se identificou é que é um cenário que resulta no favorecimento de práticas de invasões, desmatamento, queimadas e trabalho análogo á escravidão. Faz-se vista grossa para propriedades que não cumprem com a sua função social e ainda causam danos à população local e ao meio ambiente.
Beneficiários do acesso e da falta de informações
Assim, falta de transparência favorece não somente os grileiros, mas a indústria (de madeira, frigoríficos, mineradoras, etc), o mercados de carbono, e, devido à corrupção, os municípios, destacando-se as unidades locais do Incra e as secretarias de meio ambiente que foram citados como facilitadores de fraudes. Já os agentes que se beneficiam do acesso facilitado a informações seriam as comunidades locais, principalmente indígenas, quilombolas e ribeirinhos, e o Ministério Público. Ainda foram citadas as empresas que fornecem créditos como agentes no meio termo, tanto por serem facilitadores de atividades ilegais maquiadas como lícitas, quanto por serem instituições que se beneficiam muito de uma maior transparência e fiscalização mais intensa.
Ações para mudança
Após os relatos de suas experiências e desafios frente às práticas de grilagem, os participantes começaram a elencar ações que poderiam ajudar a alterar esse cenário extremamente assimétrico.
Um dos pontos colocados foi sobre a participação de instituições privadas no processo de grilagem. Similar a listas de trabalho análogo à escravidão deveria haver um levantamento de empresas envolvidas na grilagem, este seria um processo interessante para incidir sobre a contratação de fornecedores que se benefciam de práticas ilícias em como facilitar o bloqueio de crédito rural indevidaamente concedido.

Em termos de acesso à informação foi sugerida a qualificação e acessibilidade dos dados, a fim de facilitar a compreensão de leigos interessados para garantir mais autonomia às comunidades sem necessidade de profissionais técnicos – o acesso aos dados é muito importante para acionar órgãos públicos quando verificadas ilegalidades. Neste sentido, também se sugere ações de capacitação em comunidades como uma alternativa para que estas possam navegar de forma mais fluida pelas bases de dados, bem como tenham instrução sobre como fazer denúncias e cobrar autoridades.
Contudo, devido à desconfiança em relação ao poder público já citada, e por vezes sua omissão, entende-se que as denúncias devem ser feitas, mas não é possível ficar sem agir, aguardando a mobilização estatal. Assim, é necessário tornar o Estado corresponsável pelos danos decorrentes da grilagem, devido a sua inércia. E as comunidades têm direito de agir de forma criativa para obter meios de impedir a invasão de suas terras. Um dos exemplos dados foram ações de ocupação do território sobreposto com eco florestas. Esta foi uma ação essencial para impedir a reinvasão da terra, após um processo de desintrusão que normalmente não possuí um plano de manutenção nem recursos e equipe para ser continuado a longo prazo, resultando normalmente no restabelecimento da grilagem.
Nesta linha, a geração cidadã de dados também pode ser uma ferramenta valiosa para o combate à grilagem e para a demonstração às autoridades sobre as condições locais e as violências sofridas. Seria inclusive um mecanismo para reforçar denúncias e buscar uma fiscalização mais intensa dos órgãos públicos pelas autoridades competentes, como o Ministério Público ou o Poder Judiciário. É uma forma também de defender direitos a partir da perspectiva da justiça comunitária, é sobre autodeterminação, dar voz e autonomia aos cidadãos locais.
Devido à escassez de tempo, não foi possível explorar a fundo como a grilagem estava sendo discutida dentro da COP30, tendo sido priorizado o rico relato das vivências e observações dos participantes sobre a grilagem, dados e (in)justiça.
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