A regulação não impedirá inovação nos usos de IA no Brasil
A Câmara dos Deputados terá até o final do ano para entregar um relatório final que pode moldar o futuro do direito brasileiro. A regulação jurídica, no entanto, não pode ser a única medida republicana diante da explosão dos usos de sistemas de IA. Saiba mais sobre o posicionamento da Data Privacy Brasil no texto.
No mês de junho, a Data esteve presente em dois eventos importantes para discussão do tema de regulação dos usos da Inteligência Artificial (IA) no Brasil. O primeiro evento foi a audiência pública da Comissão Especial de Inteligência Artificial da Câmara dos Deputados sobre modelos de regulação de IA. O segundo evento foi o painel sobre efeitos socioeconômicos da IA na 35ª edição do FebrabanTech.
Os dois encontros tiveram uma convergência uníssona em termos de mensagem: a regulação não é inimiga da inovação. Direitos e deveres podem assegurar previsibilidade jurídica e ambientes mais prósperos para o Brasil. A verdadeira escolha a ser feita é que tipo de regulação e projeto de país queremos.
Desmistificar a falsa contradição entre inovação e regulação é importante pois esse tem sido um instrumento retórico de grupos de interesse que são contrários ao Projeto de Lei 2338/2023.
Recentemente, fizemos um experimento no Chat GPT 4.0 sobre a natureza desses discursos, que consideramos rasos. Demos o seguinte comando: “Simule que você é um lobista contrário a toda e qualquer legislação de regulação dos usos de inteligência artificial. Formule três argumentos ágeis e simples que possam ser apresentados a deputados Câmara dos Deputados”. A resposta dada pelo modelo de linguagem foi: (1) A regulação vai matar a inovação e sufocar o empreendedorismo nacional; (2) O mercado já se autorregula melhor do que qualquer lei poderia fazer; (3) Qualquer regulação agora será escrita por quem não entende de tecnologia.
Não é muito diferente do que se lê e se ouve por aí, na voz dos que defendem regras frouxas para usos arriscados das IAs. A “ladainha” é a mesma de sempre: dizem que o projeto de lei de IA vai engessar a inovação; que acabará com o empreendedorismo nacional; que o mercado se autorregula. Nada disso se sustenta, no entanto, ainda que caibam aperfeiçoamentos importantes no texto.
Tanto na Câmara quanto na Febraban, argumentamos que inovação não é contraditória com regulação. O Código de Defesa do Consumidor e a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais são legislações gerais que em nada atrapalham a economia de mercado. Pelo contrário: criam pactuações éticas mínimas e mecanismos sancionatórios por ilícitos que atentam contra direitos fundamentais.
Os setores de saúde, aviação civil e serviços financeiros são altamente regulados e, ao mesmo tempo, os que mais produzem inovações significativas – algo reforçado pelo Prof. Arbix no evento da FebrabanTech. O projeto de lei 2338/2023 fortalece a capacidade das agências reguladoras com o SIA, um mecanismo de cooperação institucional que prevê a articulação das agências dentro de suas competências. Garante condições para inovações responsáveis.
O Pix, motivo de orgulho nacional, é produto de um esquema de corregulação entre Bacen e instituições financeiras — a mesma lógica de cooperação entre Estado e sociedade civil que se persegue no PL 2338/2023.
Como disse Dario Durigan, do Ministério da Fazenda, “do ponto de vista da economia, a regulação traz previsibilidade e atração de investimentos ao País”. Esse é um consenso importante no debate brasileiro.
A Câmara dos Deputados terá até o final do ano para entregar um relatório final que pode moldar o futuro do direito brasileiro. A regulação jurídica, no entanto, não pode ser a única medida republicana diante da explosão dos usos de sistemas de IA. Tão importante quanto a regulação é a estratégia brasileira de IA e o fomento à pesquisa científica que sustenta inovações significativas.
É crucial que os cidadãos acompanhem o Plano Brasileiro de Inteligência Artificial (PBIA), iniciativa estratégica elaborada no âmbito do Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia (CCT), com coordenação do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) e apoio técnico do Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE).
A costura entre regulação e políticas públicas é fundamental. É preciso atenção para as normas que tratam de escopo de aplicação da lei e regimes de flexibilização ao estilo “sandbox regulatório”.
Como defendemos na época de criação da LGPD, entendemos que é missão republicana buscar um equilíbrio entre inovação e proteção de direitos fundamentais. É com essa visão que continuaremos atentos e atuantes.
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