A Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) abriu nesta segunda-feira (02/06) uma tomada de subsídios para ouvir a sociedade sobre o tratamento de dados biométricos. Isso significa que qualquer pessoa — seja especialista, organização ou cidadão comum — pode opinar sobre como o Brasil deve regular o uso de informações como impressões digitais, reconhecimento facial, padrões de voz e até o jeito como você caminha (sim, o jeito que você caminha é uma informação biométrica conforme padronização internacional).

Pode parecer um tema técnico, mas ele está profundamente presente no nosso dia a dia e tem impacto direto sobre direitos fundamentais.

Dados biométricos são considerados dados pessoais sensíveis pela Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD). Isso porque eles dizem respeito à nossa identidade física e comportamental, são únicos e, se forem usados de maneira indevida, não podem ser trocados como uma senha. A LGPD não apresenta uma definição expressa do que são dados biométricos, mas a ANPD quer analisar os contornos específicos desse conceito.

A ANPD elaborou 18 perguntas para guiar a consulta pública. Elas abordam desde aspectos jurídicos, como em quais casos o uso da biometria é legal, até preocupações sociais, como o risco de discriminação com o uso de reconhecimento facial em espaços públicos – tema amplamente debatido por campanhas como Tire Meu Rosto da Sua Mira, premiado em 2024 nos EUA (“Epic International Privacy Champions”).

O que é uma “tomada de subsídios” e como participar?

A palavra “subsídio” geralmente está ligada a um pedido de socorro ou ajuda (por exemplo: “O governo estabeleceu um subsídio para as vítimas da enchente”). Também está ligada a quando o governo oferece um suporte financeiro para um setor específico (por exemplo: “O Brasil anunciou novos instrumentos de subsídios para a produção de café”). No entanto, de acordo com os dicionários de língua portuguesa, a palavra subsídio também se refere ao “conjunto de informações ou dados que fundamentam um trabalho ou uma tese”. É nesse sentido, mais acadêmico, que a ANPD utiliza a expressão “tomada de subsídios”.

A tomada de subsídios é um instrumento fundamental para a construção de políticas públicas mais inclusivas e eficazes. No contexto dos dados biométricos — como impressões digitais, reconhecimento facial e biometria comportamental —, ela permite que a ANPD compreenda melhor os desafios técnicos, legais e sociais envolvidos no tratamento dessas informações sensíveis. Essa escuta ativa da sociedade é essencial para a construção de uma regulação responsiva aos anseios da população brasileira.

A participação cidadã é crucial para garantir que a regulamentação reflita as necessidades e preocupações reais da população. Somente em 2025, diversos veículos de comunicação têm reforçado a explosão dos golpes de reconhecimento facial e as dificuldades do exercício do direito de oposição (previsto no art. 18, §2º da LGPD) em situações de biometria facial em condomínios residenciais.

Em nota técnica da Coordenação-Geral de Normatização da ANPD (Nota Técnica nº 17/2025/CON1/CGN/ANPD), a autoridade afirma que, considerando que o uso dos dados biométricos “tem se tornado frequente entre os agentes de tratamento, especialmente para fins de verificação e autenticação, e que tais dados pessoais são altamente sensíveis por sua natureza única e por corresponder a aspectos físicos, comportamentais e fisiológicos de um indivíduo, torna-se essencial que a ANPD acompanhe e analise esse tratamento sob a perspectiva da proteção à privacidade e dos dados pessoais”.

Ao contribuir, os cidadãos ajudam a influenciar as políticas públicas e interpretação da LGPD, participando ativamente da construção de normas que impactam diretamente sua vida cotidiana. Além disso, a Tomada de Subsídios pode habilitar que vozes de diferentes grupos sociais, especialmente os mais vulneráveis, sejam ouvidas e consideradas. As respostas servirão de análise da Coordenação-Geral de Normatização para o desenvolvimento do Item 5 da Agenda Regulatória para o biênio 2025-2026 da ANPD.

Para participar, é necessário cadastrar-se e efetuar login na Plataforma Participa + Brasil. As contribuições devem ser enviadas até 2 de julho de 2025. Eventuais materiais complementares podem ser encaminhados para o e-mail [email protected] durante o prazo da consulta.

Como isso se relaciona com o dia a dia?

A consulta (ou “tomada de subsídios”) está organizada em cinco blocos temáticos, cada um abordando aspectos cruciais do tratamento de dados biométricos. O primeiro bloco, “Definições e Princípios”, busca estabelecer critérios objetivos para caracterizar um dado como biométrico nos termos da LGPD, além de discutir práticas de transparência ativa. O segundo, “Hipóteses Legais”, explora as bases legais que autorizam o tratamento desses dados, como o consentimento e a prevenção à fraude, bem como as salvaguardas necessárias. O terceiro bloco, “Tecnologias de Reconhecimento Facial e Tecnologias Emergentes”, analisa o uso de inovações tecnológicas, considerando riscos de discriminação e erros de identificação. O quarto, “Segurança, Boas Práticas e Governança”, discute medidas de segurança, programas de governança e boas práticas voltadas à proteção dos dados biométricos. Por fim, o bloco “Direitos dos Titulares e Grupos Vulneráveis” foca na garantia dos direitos dos titulares, com especial atenção à proteção de grupos vulneráveis e à prevenção de impactos discriminatórios.

Ao todo, a ANPD elaborou 18 perguntas para guiar a consulta pública. Elas abordam desde aspectos jurídicos, como em quais casos o uso da biometria é legal, até preocupações sociais, como o risco de discriminação com o uso de reconhecimento facial em espaços públicos. As perguntas se conectam com várias questões presentes no cotidiano das pessoas:

  • Ao entrar num prédio com reconhecimento facial, você pode estar sendo filmado e identificado automaticamente. A tomada de subsídios quer saber: esse uso é proporcional? Você foi informado sobre isso? Pode recusar?
  • Ao abrir uma conta digital usando sua selfie, seus dados faciais são coletados para prevenir fraudes. Mas e se esses dados vazarem? A consulta quer saber quais medidas de segurança devem ser obrigatórias para proteger você.
  • Em escolas que usam biometria para controle de entrada de crianças, a consulta questiona: isso é mesmo necessário? Como garantir que os pais sejam informados e deem consentimento adequado? Como garantir que o princípio de necessidade seja respeitado?
  • Em jogos online que pedem estimativa de idade via biometria, como garantir que os dados de crianças e adolescentes sejam usados com responsabilidade e respeitando o seu melhor interesse?
  • Se você se recusar a fornecer sua biometria para usar um serviço bancário ou aplicativo, é justo que você tenha funcionalidades limitadas? A ANPD quer saber como evitar que essa negativa seja usada contra você.

Que perguntas foram formuladas?

As perguntas formuladas pela ANPD na tomada de subsídios sobre dados biométricos foram pensadas para ouvir tanto especialistas quanto pessoas comuns. Algumas perguntas são mais técnicas, voltadas a entender como aplicar a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) em situações específicas, como o uso de reconhecimento facial ou a coleta de dados em escolas. Outras buscam saber a opinião da sociedade sobre temas do dia a dia, como a transparência das empresas ao pedir nossos dados ou os riscos de discriminação no uso dessas tecnologias. Há ainda questões que tratam de grupos mais vulneráveis, como crianças e adolescentes, e situações em que a coleta de dados pode afetar direitos fundamentais. 

Na tabela abaixo, organizamos as dezoito perguntas da ANPD a partir de dois critérios. O primeiro é se a pergunta é de natureza técnica (que envolve elementos específicos de interpretação jurídica da LGPD e dogmática jurídica) ou de natureza social (que envolve a compreensão de elementos sociológicos, econômicos, administrativos e políticos que afetam a aplicação do direito). O segundo critério é a categoria estratégica do tema, a partir de uma divisão de cinco blocos estratégicos que não se confundem, necessariamente, com a ordem das perguntas da ANPD.

 

Na Data Privacy Brasil, continuaremos atuando para formar e disseminar um ecossistema informacional justo. Nesse contexto, a tomada de subsídios da ANPD exige ampla participação democrática, com o maior número possível de partes interessadas.

Esperamos que associações, coletivos, centros de pesquisa, partidos, institutos, universidades e cidadãos participem ativamente dessa discussão, fazendo com que a ANPD siga sua missão institucional de zelar pelo direito fundamental à proteção de dados pessoais.

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