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E-mails com propaganda eleitoral de candidatos de São Paulo são enviados sem consentimento dos destinatários

 E-mails com propaganda eleitoral de candidatos de São Paulo são enviados sem consentimento dos destinatários

Por Anderson Santana

[1] [1] Jornalista e mestrando em comunicação.

A investigação foi realizada através da bolsa de reportagem em parceria com a Associação Data Privacy Brasil de Pesquisa e Transparência Internacional Brasil. Saiba mais sobre o projeto “Eleições, desinformação e ilícito de dados” aqui.

As propagandas irregulares divulgam cinco candidatos, sendo um para a Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp) e quatro para a Câmara dos Deputados. O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) prevê multa de até R$30 mil para disparos em massa.

A reportagem teve acesso a e-mails de divulgação de candidaturas pelo Estado de São Paulo recebidos sem autorização prévia dos eleitores, em desacordo com a legislação eleitoral. A investigação apurou que dias antes do 1º turno das Eleições 2022 ocorreram disparos de pelo menos dez e-mails por destinatário, em dias alternados, com a divulgação de cinco candidatos que pleiteiam vaga na Alesp ou na Câmara dos Deputados (foram enviados, no mínimo, dois e-mails sobre cada candidato). O TSE já havia determinado que candidatos não poderiam enviar mensagens para eleitores sem autorização, seja por e-mail ou aplicativos de mensagens instantâneas (por exemplo, WhatsApp e Telegram).

Segundo o Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo (TRE/SP), o disparo de mensagens eletrônicas em massa não é considerado crime, mas caracteriza propaganda eleitoral irregular. “É vedado pelo artigo 34, II da Resolução TSE 23.610, punível com multa de R$ 5 a R$ 30 mil […]”, informa o TRE/SP. Ainda segundo o referido Tribunal, “[…] o abuso de poder econômico poderá ser apurado, resultando em cassação do registro de candidatura e inelegibilidade, nos termos do artigo 22 da Lei Complementar 64/90.”

A mestra em direito político e econômico Roberta Battisti, que é pesquisadora no Instituto Liberdade Digital, lembra que a resolução define o disparo em massa como envio, compartilhamento ou encaminhamento de conteúdo para um grande volume de usuários. Ela explica que o disparo massivo de propaganda eleitoral não pode ocorrer sem o consentimento prévio do titular para essa finalidade. “Para estar dentro do que a legislação permite, o disparo tem que ter sido feito a partir de uma base de dados que tenha esse consentimento prévio. Se não tiver, temos uma violação da legislação eleitoral,” pontua.

Vale lembrar que é permitido o envio de mensagens eletrônicas aos eleitores que se cadastraram voluntariamente para recebê-las, “[…] desde que seus emissores sejam identificados e sejam respeitadas as regras da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD). Também deverão ser disponibilizados meios para que a pessoa possa se descadastrar para não mais receber conteúdo.”, informa o TSE.

De acordo com Battisti, também estão proibidos disparos se for contratado expediente, tecnologia ou serviço não fornecido pelo provedor de aplicação. “Ou seja, por exemplo, no caso do gmail, o próprio Google deveria fornecer essa tecnologia de disparo. Acontece que as empresas que normalmente fazem disparo em massa de mensagens não são nativas dos provedores, mas sim externas, então aqui temos mais uma violação da legislação eleitoral.”, afirma.

Por fim, há a possibilidade de uma terceira violação, caso o candidato ou o partido adquira ou compre uma base de dados de terceiros. “Trata-se de uma irregularidade da própria base de dados mesmo, isso porque a legislação proíbe a utilização de base de dados de terceiro, comprada ou pública. Eventual uso de base de dados irregular pode gerar ações de abuso de poder político e econômico, além de eventual cassação de mandato ou inelegibilidade”, destaca Roberta Battisti. 

QUEM SÃO OS CANDIDATOS?

De acordo com os dados obtidos por meio dos e-mails recebidos nos dias 22 e 29 de setembro de 2022, em cruzamento com os registros das respectivas candidaturas no site do TSE, foram identificadas as seguintes candidaturas, com os respectivos prints das mensagens recebidas:

  • Claudia Carletto (PSDB/SP)

 Claudia Carletto, candidata à deputada federal pelo Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB). É jornalista e  ex-secretária de Direitos Humanos da Prefeitura de São Paulo.

Prints de e-mails

[2] [2] Os dois e-mails sobre cada candidato foram recebidos em 22/09/2022 e 29/09/2022, respectivamente. Em todos os e-mails, o destinatário foi borrado para preservar a sua identidade.

 recebidos de remetente [email protected]

Direcionamento

[3] [3] Após o período das eleições, quase todos os links de direcionamento dos e-mails recebidos, com exceção dos de Paullo Vieira, estão apresentando apenas a mensagem “Página não encontrada” ou “Esta página não está disponível”.

do e-mail para: https://www.instagram.com/claudiacarletto/https://emenezes1.entregaemails.com.br/accounts/180700/messages/12?email=&c=1663858554&contact_id=61663&envelope_id=10

 

  • Luciana Inclusão (PSB/SP)

Luciana Inclusão (Luciana Trindade), candidata à deputada federal pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB). É aposentada e atua na Secretaria Nacional do PSB INCLUSÃO. O material de campanha via e-mail apoiava a candidata à deputada estadual Andréa Werner, que foi eleita pelo mesmo partido em São Paulo.

Prints de e-mails de remetente [email protected]

Direcionamento do e-mail para: https://www.instagram.com/lucianainclusao4011/

https://emenezes1.entregaemails.com.br/accounts/180700/messages/11?email=&c=1663785566&contact_id=61663&envelope_id=8

 

  • Marcos da Costa (AVANTE/SP)

Marcos da Costa, candidato a deputado federal pelo Avante. É  advogado e foi Presidente da Ordem dos Advogados do Brasil/SP nas gestões 2013/2015 e 2016/2018.

Prints de e-mails de remetente [email protected]

Direcionamento do e-mail para:  https://emenezes1.entregaemails.com.br/accounts/180700/messages/9?email=&c=1663782982&contact_id=61663&envelope_id=7 

 

  • Paullo Vieira (PODEMOS/SP)

Paullo Vieira, candidato a deputado federal pelo Podemos. É empresário e atua em defesa dos direitos das pessoas com deficiência.

Prints de e-mails de remetente [email protected]

Direcionamento do e-mail para:   https://www.instagram.com/paullovieira/

 

  • Tuca Munhoz (REDE/SP)

Tuca Munhoz (Antônio Carlos Munhoz), candidato a deputado estadual na Alesp pela Rede Sustentabilidade. É ativista em defesa dos direitos das pessoas com deficiência. 

Prints de e-mails de remetente [email protected]

Direcionamento do e-mail para:   https://emenezes1.entregaemails.com.br/accounts/180700/messages/8?email=&c=1663782009&contact_id=61663&envelope_id=6

 

ORIGEM DOS E-MAILS

Foi possível identificar que os e-mails recebidos possuem o mesmo domínio @campanhanews.com.br. Ao acessar o site https://www.campanhanews.com.br/, uma mensagem de erro é apresentada:

Por meio de Consulta no Whois, ferramenta do Registro.br que armazena as informações sobre quem são os proprietários dos domínios (https://registro.br/tecnologia/ferramentas/whois/?search=www.campanhanews.com.br), foi possível chegar até o titular do campanhanews.com.br, conforme mostrado na imagem a seguir:

De acordo com os dados publicados na plataforma, o domínio foi criado pela empresa Sísmica Serviços e Informática Ltda, com  o Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ) 59.956.664/0001-71, em 17 de setembro de 2022, cerca de cinco dias antes do primeiro envio dos e-mails, que ocorreu em 22 do mesmo mês. Por meio de dados disponíveis na web, refere-se à  empresa de Marketing Digital e Soluções para Internet, sediada em Santo André (SP). 

Conforme consta no site e nas redes sociais da referida empresa (https://www.sismica.com.br/ e https://www.facebook.com/sismicamarketingdigital), a Sísmica denomina-se como “Agência digital” que atua “[…] no Desenvolvimento e Hospedagem de Sites, Otimização de Sites (SEO – Search Engine Optimization), Gerenciamento de Campanhas em Redes Sociais, Links Patrocinados, E-mail Marketing, dentre outros serviços na área de Marketing Digital.” 

Segundo os dados disponibilizados pelo CNPJ e Whois, o responsável é Eduardo de Menezes Jr. 

CONTRATAÇÃO DOS SERVIÇOS NÃO ESTÃO NAS DESPESAS DE CAMPANHA

Após levantamento junto ao sistema do TSE (https://divulgacandcontas.tse.jus.br/divulga/#/), onde devem constar todas as receitas e as despesas das candidaturas, não há nenhum registro de pagamento dos candidatos citados na reportagem para a empresa  Sísmica Serviços e Informática Ltda ou para o seu representante legal, Eduardo de Menezes Júnior.

Cláudia Carletto:

https://divulgacandcontas.tse.jus.br/divulga/#/candidato/2022/2040602022/SP/250001612136/integra/despesas

Luciana Inclusão (Luciana Trindade):

https://divulgacandcontas.tse.jus.br/divulga/#/candidato/2022/2040602022/SP/250001620267

Marcos da Costa:

https://divulgacandcontas.tse.jus.br/divulga/#/candidato/2022/2040602022/SP/250001622057/integra/despesas

Paullo Vieira: 

https://divulgacandcontas.tse.jus.br/divulga/#/candidato/2022/2040602022/SP/250001610267/integra/despesas

Tuca Munhoz (Antônio Carlos Munhoz):

https://divulgacandcontas.tse.jus.br/divulga/#/candidato/2022/2040602022/SP/250001619361/integra/despesas

RESPOSTA DA EMPRESA CONTRATADA

 

Foi realizado contato com a empresa Sísmica para confirmar se houve contratação desses serviços e quem foi responsável (se representante das campanhas, os próprios candidatos ou os seus respectivos partidos). Além disso, foi perguntado se a agência tinha conhecimento se esses disparos sem consentimento dos destinatários violavam a legislação eleitoral. Obteve-se o seguinte retorno do gerente de relacionamento:

Em uma segunda tentativa de contato, quando questionado sobre os serviços contratados, ele não permitiu mais detalhes:

Sobre a resposta da empresa, na avaliação da pesquisadora Roberta Battisti, é uma resposta um tanto quanto genérica. “Onde esses clientes conseguiram esses bancos de dados? Como vimos anteriormente, a legislação proíbe a utilização de base de dados de terceiro, comprada ou pública. Além do quê, precisamos olhar para o consentimento. As pessoas sabiam que seus dados iriam ser utilizados para o disparo em massa de propaganda política? Então cabe olhar caso a caso.”, questiona.

Por fim, Battisti ressalta que os candidatos e as campanhas precisam ter atenção para essa finalidade específica que deu origem àquela base de dados e avaliar se a finalidade permanece a mesma ou é diferente. Segundo ela, nesse último caso, é preciso um novo consentimento.

RESPOSTA DOS CANDIDATOS

Apesar de várias tentativas para obter um posicionamento de Claudia Carletto, Luciana Trindade, Marcos da Costa, Paullo Vieira e Tuca Munhoz, nenhuma resposta foi fornecida até a publicação desta reportagem.

O espaço permanece aberto, e a matéria será atualizada assim que tivermos um retorno.

 Também se buscou um posicionamento de Andréa Werner, Deputada Estadual eleita para a Alesp, sobre os e-mails com material de divulgação da candidatura de Luciana Trindade e apoio à sua campanha. Em resposta, via e-mail, foi recebido o seguinte retorno: “A equipe de campanha da Andréa desconhece este envio, tanto que não tem como origem um endereço da campanha ou algum outro ligado à Andréa. Toda a comunicação da campanha foi realizada de acordo com a LGPD. Att., Equipe Dep. Andréa Werner”

Não foi possível levantar junto ao TRE/SP o número de denúncias que envolvem disparos em massa nas Eleições 2022. Contudo, o Tribunal destaca que atua para coibir disparos em massa por meio da divulgação das formas de denunciar propagandas irregulares e de esclarecimentos acerca do que é permitido na propaganda eleitoral. Além disso, lembra que é possível denunciar disparos em massa no site do TSE: https://www.tse.jus.br/eleicoes/eleicoes-2022/denuncia-eleitoral-disparo-em-massa-whatsapp/