A Data Privacy Brasil vem a público saudar a aprovação da resolução de revisão da Cúpula Mundial para a Sociedade da Informação, aprovada por consenso na Assembleia Geral das Nações Unidas no dia 17 de dezembro de 2025.

Com forte atuação do Brasil, os países-membros aprovaram por consenso o documento de revisão de 20 anos da Cúpula Mundial para a Sociedade da Informação (WSIS+20). A adoção consensual do documento de revisão, num momento de disputas geopolíticas que se refletem na agenda digital, sinaliza a centralidade da cooperação internacional nos temas digitais e os múltiplos desafios ainda persistentes para as próximas duas décadas. 

Há 20 anos, a Cúpula foi um marco das discussões sobre Governança da Internet dentro da ONU, resultando em documentos como o Plano de Ação de Genebra e a Agenda de Túnis. Tais documentos definem Linhas de Ação para alcançar os objetivos de desenvolvimento tecnológico e uma visão da Sociedade da Informação “centrada nas pessoas, inclusiva, orientada para o desenvolvimento e não discriminatória”. Trata-se, portanto, de um processo estruturante para o campo da governança da Internet e dos direitos digitais.

Ao longo de 2025, a Data Privacy Brasil participou ativamente do processo preparatório para a revisão, atuando pela garantia de espaço para as demandas da sociedade civil e do Sul Global junto a parceiros nacionais e internacionais. Estivemos presentes, por exemplo, no 10º Fórum Multissetorial sobre Ciência, Tecnologia e Inovação para os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, a convite do Escritório de Tecnologias Digitais e Emergentes da ONU, junto a parceiros do Sul Global, evento que passa a integrar a agenda de Inteligência Artificial da ONU em 2026. 

Saudamos a consolidação do modelo multissetorial (multistakeholder) proposto há 20 anos, e seu papel crucial na formulação e implementação de políticas digitais e na governança da Internet. Destacamos, em especial, o parágrafo 94 onde é feito o reconhecimento às diretrizes do NetMundial+10, que propõe ações concretas para a implementação desse modelo, fortalecendo assim processos participatórios, abertos e representativos.

Parabenizamos os esforços de todas as partes envolvidas nesse processo da Cúpula e, desde o NetMundial+10, que levaram para o sistema ONU as preocupações já apontadas pelo evento de 2024 quanto à necessidade de coordenação dos múltiplos espaços e processos da governança digital. Nesse sentido, destacamos duas importantes vitórias: o mandato permanente para o Fórum de Governança da Internet (IGF), com fortalecimento de seu secretariado; e consequente fortalecimento da relação do IGF global com os IGFs nacionais e regionais. Tal coordenação entre o local e o global foi uma necessidade apontada durante o NetMundial+10, e esperamos que agora possa ser concretizada através de agendas comuns e esforços de retroalimentação, onde políticas públicas e iniciativas locais possam refletir diretrizes da governança global, ao mesmo tempo em que realidades locais possam construir agendas globais.

Destacamos também a reafirmação de uma abordagem de Direitos Humanos no documento, que ancora o processo no Direito Internacional e reconhece o papel fundamental desses direitos no desenvolvimento e governança de tecnologias digitais. O documento de revisão adota uma linguagem de Direitos Humanos significativamente mais explícita do que a colocada na revisão de 10 anos da Cúpula, incluindo o reconhecimento do papel do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos na orientação sobre Direitos Humanos e tecnologia. O texto também reconhece a responsabilidade do setor privado de garantia da incorporação dos Direitos Humanos no ciclo de vida das tecnologias digitais, assim como da mitigação de danos a esses direitos associados a elas. A necessidade de centralizar a abordagem de Direitos Humanos na revisão da Cúpula foi uma das demandas prioritárias de coalizões da sociedade civil das quais participamos ativamente ao longo do processo, como o Global Digital Justice Forum e o Global Digital Rights Coalition for WSIS.

Em meio a um ecossistema tão complexo, saudamos ainda os esforços de coordenação das Linhas de Ação da Cúpula com os objetivos do Pacto Global Digital da ONU, acordado em 2024. Tais esforços também serão necessários dentro do próprio sistema ONU, dentre suas diversas agências e escritórios cujos trabalhos possuem uma dimensão digital, e cujo reconhecimento aparece no parágrafo 121 da resolução, que pede o fortalecimento do UNGIS – grupo da ONU para a Sociedade da Informação, secretariado pela União Internacional de Telecomunicações (UIT), e que passa a ter a coordenação rotativa. Esperamos que a agilidade e eficiência demandadas pela resolução ao Grupo sejam conduzidas de modo aberto, transparente e participativo, e em caráter complementar, evitando assim duplicação de esforços, como também demanda o parágrafo 120 com relação aos objetivos do Pacto Global Digital.

Ainda que positivos, esses resultados do processo de revisão da Cúpula podem apontar para uma centralização dos processos de governança de tecnologias digitais na ONU. Num contexto de tensão nas relações multilaterais, em que o multilateralismo tem sido uma defesa prioritária de alguns países, o reconhecimento das diretrizes do NetMundial+10 é bem-vindo e permaneceremos atentos à aplicação efetiva das diretrizes,  a fim de que multilateralismo e multissetorialismo caminhem juntos e que sejam criadas oportunidades de participação social significativa nessas iniciativas de governança. Esses resultados estarão diretamente ligados às iniciativas de soberania digital, fluxo de dados, e adequação regulatória, com impactos diretos no cotidiano e, assim, a necessária participação da sociedade civil na defesa de direitos fundamentais.

A efetividade dessas iniciativas e a possibilidade de realização da visão incorporada na Cúpula demandam atenção aos diferentes processos ocorrendo na agenda digital, sendo a integração do Pacto Global Digital da ONU um dos principais deles. A implementação do Pacto envolve a criação e o fortalecimento de novos espaços, como o Grupo de Trabalho sobre Governança de Dados da Comissão das Nações Unidas sobre Ciência e Tecnologia para o Desenvolvimento; o Painel Científico Internacional Independente e o próprio Diálogo Global sobre Inteligência Artificial. A criação de instâncias temáticas pode levar a resultados concretos, desde que haja uma coordenação e diálogo  entre os processos, envolvendo tanto os novos fóruns como espaços já estabelecidos como o Fórum de Governança da Internet. Permaneceremos atentos para que os pontos positivos da revisão da Cúpula sejam devidamente garantidos na implementação e coordenação entre esses processos.

 

Contato:  Assessoria de imprensa Data Privacy Brasil

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Sobre a Data Privacy Brasil

A Data Privacy Brasil é uma organização que nasce da união entre uma escola e uma associação civil em prol da promoção da cultura de proteção de dados e direitos digitais no Brasil e no mundo. Por meio da educação, da sensibilização e da mobilização da sociedade, almejamos uma sociedade democrática onde as tecnologias estejam a serviço da autonomia e dignidade das pessoas.

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