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Associação Data Privacy Brasil participa do grupo de engajamento da sociedade civil do G20

 Associação Data Privacy Brasil participa do grupo de engajamento da sociedade civil do G20

O G20 – grupo das vinte maiores economias do mundo – inicia seus trabalhos em 2023 pela presidência da Índia, e começa a gerar a expectativa de agenda e interesses brasileiros nessa seara. O Brasil, que, assim como a Índia, compõe o  grupo dos BRICS, herda a presidência do bloco em 2024, e com isso, a oportunidade de influenciar a agenda e fortalecer compromissos de cooperação internacional, principalmente com o Sul Global. Ainda seguindo na linha dos BRICS, em 2025 a presidência do G20 fica com a África do Sul.

Essa conjunção do grupo IBSA abre uma janela de oportunidades para que pautas dos países em desenvolvimento ganhem destaque perante os desafios socioeconômicos mundiais. A atual “troika” – grupo da presidência anterior, atual, e futura – também já contempla essa parcela de países, já que a presidência de 2022 foi ocupada pela Indonésia.

Dentro dos trabalhos do G20, existem Grupos de Engajamento que reúnem sociedade civil, parlamentares, think tanks, mulheres, jovens, trabalhadores, empresas e pesquisadores dos países do grupo. Tais grupos são denominados de Business 20, Civil 20, Youth 20, Labor 20, Think 20, Women 20, Science 20 e Urban 20. O Civil 20 (C20) é o grupo oficial de engajamento da sociedade civil, que existe desde 2013, e funciona como uma plataforma para que este setor leve contribuições e preocupações ao alto nível ministerial da Cúpula do G20.

O país sede/presidência possui um poder político de escolha para que uma instituição e/ou grupo de pessoas coordene os trabalhos do grupo, dividido em outros subgrupos de trabalho (GTs). Para este ano, o C20 Índia estabeleceu catorze GTs, incluindo “Educação e Transformação Digital”, “Tecnologia, Segurança e Transparência”, e outros que abordam tópicos como igualdade de gênero, direitos humanos, sustentabilidade e democracia. Embora os temas de políticas digitais estejam bastante fragmentados pelos GTs, o grupo de “Tecnologia, Segurança e Transparência” parece concentrar um pouco mais questões que estão sendo priorizadas tanto pelo governo indiano quanto pelo governo brasileiro. São casos como direitos dos trabalhadores, governança da Internet, conectividade e acesso à Internet, proteção de dados e desinformação.

Nesse sentido, a Associação Data Privacy Brasil de Pesquisa tem buscado se engajar com o C20, tanto para conhecer mais das propostas que estão sendo trazidas ao grupo em nível internacional, quanto para contribuir com pesquisas e advocacy que temos realizado no Brasil recentemente. Um dos focos do grupo é justamente ter recomendações de políticas baseadas em evidências, através de uma abordagem holística onde acadêmicos e ativistas trocam experiências e informações voltados aos objetivos comuns dos países do G20.

No último dia 6 de março, acompanhamos uma das reuniões do C20 voltada a discussão de Inteligência Artificial (IA) e uso de dados pela sociedade. Os objetivos do encontro foram mapear os tópicos-chave para o G20, quais políticas podem mitigar problemas e trazer soluções, e quais seriam então sugestões de políticas aplicáveis.

Uma das propostas apresentadas por uma instituição estadunidense colocou que o G20 deve endossar “red lines” para certas implantações de IA (por exemplo pontuação social, vigilância em massa); adotar novas leis de transparência algorítmica; promulgar mecanismos de supervisão apropriados; e criar avaliações de impacto ético. Ter supervisão independente, mecanismos de accountability e auditoria foram bastante enfatizados por diferentes participantes.

A diretora da Asociación por los Derechos Civiles (ADC) da Argentina, Valeria Milanes, destacou o descompasso das discussões no Sul Global  em relação à outras conversas a nível internacional – há uma disparidade pois o Norte está ditando as regras para o debate, enquanto aqui ainda estamos falando em constituir sistemas de proteção de dados.

Milanes ressaltou que aqui temos passado por sérios problemas de segurança e vigilância, e que os padrões internacionais de direitos humanos devem ser considerados tanto para o setor público quanto privado – transparência, explicabilidade para as pessoas e para a sociedade como um todo. Outros representantes da Índia e Estados Unidos colocaram também outras preocupações relativas ao uso de IA,  como mudanças climáticas, novas pandemias e uso de armas nucleares.

No intuito de contribuir e chamar a atenção para os problemas de vigilância ocorridos no Brasil e na América Latina, a Associação Data Privacy, em conjunto com a entidade paraguaia TEDIC – Tecnología y Comunidad, submeteu uma proposta de recomendação política a partir dos resultados do projeto “Fronteiras, Tecnologia e Direitos Humanos: abrindo os programas de controle fronteiriço para a participação cidadã”.

As pesquisas, conduzidas entre os anos de 2021 e 2023, foram motivadas pela falta de transparência no emprego de tecnologias de vigilância utilizadas para segurança pública na área da tríplice fronteira entre Brasil, Paraguai e Argentina, e tiveram como enfoque a defesa de direitos fundamentais na interseção entre proteção de dados, segurança pública e controle de fronteiras.

A partir de problemas identificados como a falta de transparência sobre quais os atores envolvidos nos projetos de vigilância, o controle de acesso aos dados entre diferentes agentes, e a falta de harmonização de políticas de privacidade, fizemos as seguintes recomendações ao grupo do G20 (uma vez que a vigilância de fronteiras não é uma questão exclusiva de nossa região):

  1. Os governos devem impor mecanismos de transparência e responsabilidade que permitam a rastreabilidade de políticas e possíveis expansões;
  2. Os governos devem aplicar política de regulamentação da coleta e processamento dos dados, e evitar a vigilância massiva da população por meios digitais;
  3. Os governos devem, no mínimo, incorporar disposições de privacidade e proteção de dados na implementação de novas tecnologias para vigilância nas fronteiras;
  4. Os governos devem garantir que haja fundamentos legais ao conduzir o intercâmbio transfronteiriço de dados entre instituições públicas de diferentes países, especialmente no contexto da segurança;
  5. Os governos devem incorporar a Avaliação de Impacto em Direitos Humanos em seus processos de formulação de políticas públicas para evitar uma abordagem tecnoutópica ao implementar tecnologias digitais para fornecer serviços públicos;
  6. É preciso ir além e disponibilizar publicamente avaliações de impacto de proteção de dados e direitos humanos, para possibilitar a participação ativa de outros atores, como organizações da sociedade civil;
  7. Os governos devem, sempre que possível, evitar o uso de áreas cinzentas para justificar a negação de uma solicitação baseada em leis de acesso à informação. Concretamente, argumentos como o da segurança nacional devem ser usados com cautela, especialmente em contextos onde os limites e as disposições da segurança nacional não estão totalmente regulamentados.

Acreditamos que tais recomendações são muito relevantes ao G20 e aos direitos fundamentais dos cidadãos de todos os países do grupo. A integração das agendas digital e de segurança pública estão na pauta tanto da Índia quanto do Brasil, sendo também problemas compartilhados por muitos dos países do bloco, cuja cooperação internacional pode motivar a troca de boas práticas e experiências que ganhem tanto em eficiência, quanto em segurança e respeito aos direitos fundamentais.

A Associação Data Privacy Brasil segue engajada e atenta às atividades do C20 a fim de que as recomendações e preocupações com a agenda digital sejam devidamente endereçadas pela cúpula do G20. O encontro dos chefes de Estado está previsto para ocorrer na Índia em setembro, onde culmina todos os processos e reuniões do G20 realizadas ao longo do ano entre ministros, altos funcionários e sociedade civil. Uma Declaração dos Líderes do G20 deve ser adotada na conclusão da Cúpula de Nova Deli, quando se encerra a presidência indiana e o Brasil assume para realizar as atividades do próximo ano.