A SOMO, parceira da Data Privacy Brasil no projeto “Observatório de Fusões Digitais”, lança o Big Tech M&A tracker, iniciativa que consiste em um banco de dados com o objetivo de aumentar a transparência e permitir o acesso público a informações importantes sobre fusões e aquisições. A Data integra o projeto juntamente com mais 15 organizações, nacionais e internacionais.

Segundo a publicação, Amazon, Alphabet, Apple, Meta e Microsoft adquiriram, em média, uma empresa a cada 11 dias nos últimos 5 anos. Ao todo, foram constatadas 191 operações realizadas por essas companhias, sendo que menos de 10% foram analisadas pelas autoridades antitruste ao redor do mundo. Tais dados levantam a seguinte questão: será que fusões e aquisições potencialmente prejudiciais à concorrência estão passando despercebidas pelas autoridades antitruste? 

Esse questionamento tem se mostrado crescente no debate concorrencial, uma vez que, para que uma operação seja submetida à análise da autoridade antitruste, é preciso que se cumpram uma série de requisitos, que varia conforme a legislação de cada país. No Brasil, por exemplo, a lei responsável por tutelar a defesa da concorrência (Lei n° 12.529/11) estabelece em seu artigo 88º os critérios de notificação de uma operação ao Cade. Entretanto, esses requisitos são meramente quantitativos, assim como o de várias legislações internacionais, o que suscita preocupações sobre a efetividade do controle das agências antitruste frente ao avanço do poder político e econômico das empresas.

Nesse sentido, a nova database do Observatório de Fusões Digitais se mostra uma ferramenta extremamente relevante para analisar essas operações que não se enquadram nos critérios quantitativos, bem como para fomentar o debate e oferecer subsídios para possíveis iniciativas das autoridades da concorrência. Diferentemente do banco de dados do World Bank, que monitora os casos antitruste envolvendo mercados digitais no mundo, os dados da SOMO se restringem a analisar as fusões e aquisições do chamado Big 5 (Alphabet, Amazon, Apple, Meta e Microsoft).

De forma sintetizada, segue as  principais conclusões destacadas pela SOMO:

  • As grandes empresas de tecnologia (Alphabet, Amazon, Apple, Meta e Microsoft) adquiriram pelo menos 191 empresas globalmente entre 2019 e 2025: em média, uma a cada onze dias;
  • No mesmo período, as autoridades da concorrência impediram apenas duas concentrações;
  • Mais alarmante, 184 fusões não foram notificadas à Comissão Europeia, o que significa que apenas cerca de 4% das fusões dessas empresas foram investigadas;
  • Quase 67% dessas empresas adquiridas fecharam seus próprios sites após a aquisição e, em certos casos, pararam de atender os clientes totalmente após a aquisição;
  • As empresas sediadas nos EUA são, de longe, os principais alvos. As empresas da UE ocupam o segundo lugar em termos de alvos de aquisição. Entre as 27 empresas sediadas na UE adquiridas, muitas estavam envolvidas no desenvolvimento de produtos em inteligência artificial, computação em nuvem e robótica. Notavelmente, 16 tiveram seus sites fechados, levantando preocupações sobre como as empresas americanas sufocam a inovação na Europa;

É possível uma aquisição eliminar o agente adquirido?

Além do monitoramento, o relatório nos traz uma análise sobre o que acontece com as empresas adquiridas nessas operações, demonstrando a existência de vários cenários: enquanto algumas são integradas ao ecossistemas dessas plataformas, outras são “mortas” pela aquisição. Esse fenômeno é conhecido como “killer acquisition”, que ocorre quando a essência, serviços e produtos da empresa adquirida são eliminados, pois o adquirente visava justamente frear os projetos de inovação da empresa-alvo para evitar a concorrência futura.

De acordo com a SOMO, um indicador para analisar esse fenômeno é verificar se as empresas adquiridas mantêm seus sites disponíveis após a aquisição. Após análise, verificou-se que 67% dos sites das 191 empresas adquiridas não estão mais disponíveis.

Como exemplo de killers acquisitions, o relatório destacou:

  • A aquisição da bluDiagnostics pela Amazon em 2024;  
  • A aquisição da StratoZone pelo Google em 2020;
  • As aquisições sucessivas pela Meta de empresas de tecnologias de Realidade Virtual (VR) e Realidade Aumentada (AR) entre 2019 e 2025. 

No primeiro caso, tratava-se de uma startup voltada a ajudar as mulheres a rastrear sua fertilidade, porém o serviço foi cancelado pela Amazon em 2024. De forma semelhante, o Google fechou a empresa StratoZone em setembro de 2024, assim como a Meta também fechou a Lone Echo em 2024, uma das empresas de VR e AR adquiridas pela Companhia.

A nacionalidade das empresas-alvo importam

Outro ponto destacado no estudo, foi a relevância da nacionalidade das empresas-alvo durante as aquisições, especialmente considerando o cenário geopolítico atual. Observou-se que as 5 companhias analisadas, todas surgidas nos EUA,  adquiriram 27 empresas de estados membros da UE entre 2019 e 2025. Dessas 27, 16 encerraram seus sites após a aquisição.

Ou seja, é possível que poucas empresas de um único país interfiram na inovação tecnológica, na concorrência e consequentemente na política de um bloco econômico inteiro, especialmente considerando que as disputas internacionais tornam-se, cada vez mais, tecnológicas. 

Possíveis alternativas para o enforcement antitruste em face de empresas

Conforme o Relatório, os dados mostram que as grandes empresas de tecnologia não são necessariamente o melhor lugar para o desenvolvimento de startups, sendo imprescindível que o Estado garanta condições equitativas para que empresas menores possam inovar, crescer e, em última análise, concorrer com os players dominantes.

Como alternativa, a Análise reforça a ideia de que as autoridades antitruste precisam se reinventar e adaptar os seus instrumentos normativos para a realidade dos mercados digitais. Dentre as sugestões propostas, tem-se a possibilidade de uma autoridade antitruste poder convocar uma operação para análise ainda que não haja o preenchimento dos critérios quantitativos, desde que hajam questões capazes de levantar preocupações concorrenciais, como a base de dados pessoais envolvidas na operação ou o quantitativo de aquisições passadas realizadas pelo mesmo agente. 

Para a SOMO, essas ferramentas podem aumentar o enforcement da legislação antitruste, aumentando o controle público sobre essas empresas.

Sobre o Observatório de Fusões Digitais

O estudo faz parte do Observatório de Fusões Digitais. Por meio desse projeto, a Data, juntamente com as demais organizações que compõem o Observatório, busca encontrar soluções para mercados digitais mais justos.

Como resultados esperados, tem-se o fornecimento de subsídios às tomadas de decisão das várias autoridades antitruste no mundo, bem como submissões coletivas capazes de aumentar a capacidade de reflexão crítica sobre o direito da concorrência em mercados digitais, reforçando sempre o compromisso que nós temos com uma concorrência justa, que respeite os direitos fundamentais e a democracia.

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