O lançamento do livro digital “Construindo caminhos para a justiça de dados no Brasil: o papel das Defensorias Públicas na proteção de dados pessoais” contou com um painel composto somente por mulheres e tivemos a honra de receber Luciana Gross Cunha

[1] [1] Professora na Fundação Getúlio Vargas (FGV-SP), mestre e doutora em Ciência Política pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo.

(Professora na Fundação Getúlio Vargas (FGV-SP), Estela Guerrini

[2] [2] Defensora pública na Defensoria Pública do Estado de São Paulo, mestre em direitos humanos pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo e ex-membra titular do Comitê de Defesa dos Usuários de Serviços de Telecomunicações da Anatel.

(Defensora Pública da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro), Marina Lowenkron

[3] [3] Defensora Pública e Encarregada de proteção de dados da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro.

(Defensora Pública e Encarregada de Dados da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro) e Johanna K. Monagreda

[4] [4] Doutora e mestre em Ciência Política pela Universidade do Estado de Minas Gerais, licenciada em Ciência Política e Administrativa pela Universidade da Venezuela.

(Pesquisadora e Líder de Projeto da Associação Data Privacy Brasil de Pesquisa). 

O evento foi moderado pela advogada e pesquisadora da Associação Data Privacy Brasil de Pesquisa Hana Mesquita e destacou pautas da proteção constitucional da privacidade e liberdade informativa para a população socioeconomicamente mais vulnerabilizada, em falas sensíveis e enriquecedoras das painelistas. Nessa perspectiva, o livro digital busca evidenciar as desigualdades estruturais deste país como desafios para a proteção de dados pessoais e para o acesso à justiça, e o papel das Defensorias Públicas na concretização de direitos.

Neste blog post, sintetizamos e destacamos os principais pontos da nossa conversa, que você pode conferir na íntegra aqui

O e-book “Construindo caminhos para a justiça de dados no Brasil: o papel das Defensorias Públicas na proteção de dados pessoais” é resultado do projeto “Expandindo o papel das Defensorias Públicas na proteção de dados no Brasil”, iniciado em 2020 com o apoio da Fundação Ford.  “Ao longo dos últimos dois anos, estabelecemos uma relação de confiança e parceria com as Defensoria Públicas brasileiras, especialmente com a Defensoria Pública do estado do Rio de Janeiro e a de São Paulo”. Reconhecendo o vínculo interinstitucional prestigiado por esta organização civil e a instituição do sistema de justiça, a líder de pesquisa Johanna K. Monagreda, manifesta a importância da colaboração interinstitucional frente à centralidade da proteção de dados pessoais como aspecto de justiça e o papel das Defensorias Públicas na garantia constitucional de cidadania, em foco a parcela populacional mais vulnerável.

O lançamento desse livro marca uma virada na compreensão da proteção de dados pessoais como um instrumento de justiça social”. Hana Mesquita, advogada e pesquisadora da Associação, inicia sua moderação trazendo o impacto do livro digital para as relações sociais e institucionais, como também para a segunda etapa do projeto, que se encontra em elaboração. Lembra ainda que “é necessário incorporar nas reflexões de proteção de dados e também direitos digitais preocupações sobre equidade, emancipação, justiça social e transformação estrutural”.

Luciana Gross Cunha

A autora do prefácio do livro eletrônico, Luciana Gross Cunha, dá início a sua fala compartilhando que a produção deste material, bem como o Guia de primeiros passos para a adequação das Defensorias Públicas à LGPD, é um demonstrativo do quanto a pesquisa pode dialogar com as instituições de justiça. “Quando se fala de acesso à justiça no Brasil, sociedade marcada por relações patriarcais, racistas, com enormes desigualdades sociais e econômicas, a Defensoria Pública surge como um espaço de interação do Estado com a população, bem como instrumento fundamental para reduzir essas desigualdades por meio do acesso à justiça”.

“Penso que acesso à justiça é um direito fundamental por meio do qual conseguimos instrumentalizar uma maior igualdade, e mais do que isso, incluir essas pessoas na cidadania”. Para ela, a Defensoria Pública consegue conciliar diferentes demandas e permitir que essas discussões não fiquem apenas na instituição, dispondo-as para todo o Poder Público e entidades do terceiro setor. “E a Defensoria Pública faz isso, agora no que diz respeito à LGPD com um enorme desafio; usar a informação como mecanismo de gerenciamento na administração da justiça e, em simultâneo, proteger os dados dos seus usuários, que naturalmente são uma população que se encontra à margem dos direitos e a margem da cidadania como entendemos em um Estado democrático de Direito”.

Afirma ainda que o livro digital “Construindo caminhos para a justiça de dados no Brasil: o papel das Defensorias Públicas na proteção de dados pessoais” é fundamental para pensarmos em duas dimensões:

  1. O avanço tecnológico tido na administração da justiça e como utilizar as informações produzidas a partir dos atendimentos realizados pela Defensoria Pública, bem como a partir das estratégias utilizadas pelos conselhos superiores de cada uma das Defensorias;
  2. Pensar na informação como um direito a ser tutelado.

Luciana se atenta para que tais dados de assistidos não sejam mecanismos para aprofundar a desigualdade, mas sim sirvam como mecanismo para que as pessoas atendidas possam definitivamente possuir um prestígio de cidadão e em uma posição no Estado democrático de Direito. “O desafio da Defensoria é muito maior do que do restante da administração pública, ao meu ver. E se dá exatamente porque a Defensoria Pública atua nestas duas áreas, com estes dois instrumentos”.

Estela Guerrini

Coordenadora do Núcleo de Defesa do Consumidor da Defensoria Pública do Estado de São Paulo, Estela Guerrini reafirma o papel da Defensoria Pública como órgão parte do sistema de Justiça que tem como missão institucional a defesa dos direitos de uma população mais vulnerável. “Para fazer a defesa desses direitos, a instituição precisa coletar e tratar de dados pessoais das populações que ela atende, como dados cadastrais, informações de renda, o que nos leva ao banco de dados gigantesco que a Defensoria possui, exigindo o desafio que a Defensoria esteja sempre adequada à LGPD”.

A população mais carente acaba dando os seus dados pessoais em troca de acesso a serviços e a serviços públicos, inclusive”. A Defensora exemplifica a atuação do Núcleo de Defesa do Consumidor da DPE-SP e comenta sobre duas AÇões Civis Públicas: a primeira, ajuizada pelo Idec – Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor contra a linha 4-Amarela do Metrô de São Paulo e a segunda, pelo o banimento do reconhecimento facial nas estações de Metrô de São Paulo,  ainda em andamento.

Para ela, toda a discussão sobre o bacimento da tecnologia de reconhecimento facial do sistema de transporte público  “passa pelo direito à não discriminação e pelo direito à igualdade. É uma tecnologia já muito estudada e em muitos casos no mundo, já aconteceram sobre falsos positivos, e especificamente falsos positivos com a população negra. Essa não é uma tecnologia adequada”. 

Por fim, Guerrini enfatiza a importância do curso de capacitação realizado entre 2020 e 2021   pela Escola Data Privacy Brasil, da qual foi bolsista. 

Marina Lowenkron

A Defensora Pública do estado do Rio de Janeiro, Marina Lowenkron, inicia o seu painel contextualizando em que cenário se está falando em justiça de dados. “Até pouco tempo atrás, se você falasse de direito digital e em dados, não era nada que aproximava, era uma realidade muito distante”. Ressaltou ainda a importância de toda a sociedade junto às instituições de justiça se conscientizarem que estamos vivendo em um mundo que já vivencia inovações tecnológicas e digitais a todo momento em um estado de vigilância e constante monitoramento. “Esse monitoramento constante permite essa profusão de dados que podem ser correlacionados de diferentes formas pelos mais diversos poderes, seja na iniciativa privada, seja o Poder Público, e isso impacta numa oferta direcionada de produtos, serviços e propaganda, fatores que acabam por determinar as nossas escolhas”. 

Este panorama traz novos desafios às Defensorias Públicas. Durante sua fala, Marina destaca conseguir incorporar e enxergar as potencialidades e desafios da proteção de dados, seja no gerenciamento desta instituição, seja na atuação frente à defesa dos assistidos. “A Defensoria tem o papel fundamental para, na sua possibilidade de atuação, agir contra a propagação de notícias falsas e o perfilamento destas informações para o uso político e ilícito”. 

Como exemplo de atuação, tem-se a Ação Civil Pública feita pela Defensoria Pública do estado do Rio de Janeiro, através do Núcleo de Defesa do Consumidor em parceria com o Núcleo de Defesa dos Direitos Humanos em face das empresas Telegram e Signal, demandando que as empresas se adequem a sua política de proteção de dados e possuam representação sob a figura de Encarregado de Proteção de Dados no Brasil.

Na sequência, afirma que as Defensorias Públicas devem encarar o papel institucional na tutela de informações para que os tratamentos de dados sejam feitos de forma não discriminatória. “A não discriminação é um tema muito importante para podermos atuar em prol da justiça de dados nesta instituição”. 

Reconhece, ainda, que “a justiça de dados importa também em um grande desafio para o gerenciamento da Defensoria Pública, isso porque precisamos estar sempre atentos ao nosso processo de adequação para evitar que nós, como uma instituição que realiza o tratamento de dados em uma quantidade muito grande em todo o estado, violemos na nossa adequação”

 A Educação em Direitos é também função importante da Defensoria Pública na promoção da justiça de dados. A Associação de Pesquisa e a Defensoria Pública do estado do Rio de Janeiro estão realizando, em parceria, uma pesquisa que irá subsidiar a elaboração e execução de uma formação de educação em direitos digitais para a população vulnerável atendida pela Defensoria. 

Johanna K. Monagreda

A líder de pesquisa e painelista neste evento destaca a função atribuída ao livro digital de transpor os textos contidos nele, discussões teóricas e acadêmicas, para além, tocando em aplicações práticas da privacidade e proteção de dados. “O processo de organização do livro nos fez perceber uma certa preocupação em comum muito bem colocada no prefácio pela Professora Luciana Gross Cunha, e tão bem aqui discutido: quais são os desafios de pensar e garantir a proteção de dados pessoais numa sociedade profundamente estruturada pelo capitalismo-racista-patriarcal, como cita Lélia Gonzalez”.

Esse capitalismo-racista-patriarcal determina a distribuição da riqueza, do poder político, a disposição de bens materiais, o acesso à justiça, entre tantos outros. “Determina ainda a possibilidade de visibilidade e de representação, inclusive determina a existência de alguns grupos sociais”. Essas determinações propiciam que os grupos sociais sofrem diferentes formas de violência. “Chamamos genocídio da juventude negra, mas também podemos pensar com relação à população indígena e a população LGBTQIA+”.

“Todos os trabalhos disponíveis no livro digital trazem a preocupação de como as desigualdades estruturais no Brasil colocam desafios de grande magnitude para a proteção de dados pessoais e para o acesso à justiça”. Como dito, o acesso à justiça pode ser entendido como acesso ao sistema de justiça, como também justiça social. “Assumir a proteção de dados pessoais de uma perspectiva de justiça social, para nós, implica reconhecer que a forma em que se organizam as relações sociais, econômicas e políticas neste país é essencialmente injusta, e precisa de reparação”. 

Nessa linha, Johanna Monagreda afirma que a incorporação de uma perspectiva de justiça social implica que o uso, tratamento e coleta de dados pessoais sejam orientados para construção de formas de interações sociais verdadeiramente justas e igualitárias, bem como de um novo pacto social civilizatório ao serviço das lutas emancipatórias. 

Por fim, o posfácio foi escrito com a pretensão de sinalizar os próximos passos do projeto “Expandindo o papel das Defensorias Públicas na proteção de dados no Brasil”. Nele, se encontram as preocupações que guiam esta Associação de Pesquisa, e “que surgem da constatação de que dados pessoais precisam ser pensados desde uma perspectiva de justiça social e, ainda, a partir da experiência de opressão dos grupos mais marginalizados e vulnerabilizados”. Enquanto organização civil, entendemos que existe um distanciamento entre o sujeito de privilégios e a realidade de vulnerações materiais e simbólicas enfrentadas pela maioria populacional deste país e pensamos que é hora de abrir essas discussões para o debate público.

O evento de lançamento do livro digital termina com mais de 1h30 de discussões enriquecedoras e perguntas do público, pautadas na revisão humana de decisões automatizadas em caso de alto risco de direitos e a opinião das painelistas a respeito do PL 21/2020 sobre inteligência artificial . Caso tenha perdido a conversa e queira acompanhá-la, venha conferir o bate papo na íntegra aqui.

Até a próxima!

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