No dia 23 de junho, o Fórum da Sociedade Civil (FSC) da Rede Ibero-americana de Proteção de Dados (RIPD), do qual a Associação Data Privacy Brasil de Pesquisa faz parte, realizou o webinar “Quando os gigantes mudam as regras – Reflexões a partir do caso WhatsApp”. O evento, organizado pela Asociación por los Derechos Civiles (ADC) juntamente com o Instituto de Defesa do Consumidor (Idec), teve como objetivo averiguar as diferentes repercussões individuais e conjuntas que a mudança das políticas do WhatsApp teve em vários países da região latinoamericana e seus alcances passados e atuais, bem como buscou avaliar o papel dos diferentes atores envolvidos perante este tipo de medida adotada pelos gigantes tecnológicos. Além disso, buscou analisar a estratégia desenvolvida pela empresa em cada um dos casos, estabelecendo similaridades e diferenças.

Moderado por Valeria Milanes, Diretora Executiva da ADC, o evento teve tradução simultânea para português e espanhol e contou com apresentações de Adrián Ganino, Diretor da Direção Nacional de Defesa do Consumidor e Arbitragem do Consumo da Argentina; Waldemar Gonçalves Ortunho, Diretor-Presidente da Autoridade Nacional de Proteção de Dados do Brasil; María Isabel Navarro Alonso, funcionária da Agência Espanhola de Proteção de Dados; Johanna Caterina Faliero, Doutora em Proteção de Dados Pessoais pela Faculdade de Direito da Universidade de Buenos Aires (UBA); Juliana Oms, advogada e pesquisadora de Telecomunicações e Direitos Digitais no Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec); Lucía Camacho Gutiérrez, pesquisadora da Linha de Transparência, Tecnologia e Direitos Humanos na Dejusticia, Colômbia; e Paula Vargas, Diretora de Políticas de Privacidade para a América Latina da Meta. 

De início, Valeria Milanes (ADC) contextualizou a discussão explicando que, em janeiro de 2021, o WhatsApp, aplicativo de mensageria privada mais utilizado para comunicações na América Latina, anunciou mudanças em sua política de privacidade e termos de uso, as quais inicialmente seriam implementadas em 8 de fevereiro do mesmo ano. O anúncio gerou muitas repercussões e preocupações relativas à privacidade dos usuários, de modo que a empresa adiou o prazo para aceitação dos novos termos até 15 de maio. À época, o aplicativo confirmou que funcionalidades básicas não estariam mais disponíveis para quem não aceitasse a nova política. No Brasil, o “caso WhatsApp”, como assim ficou conhecido, foi considerado problemático pela Coalizão Direitos na Rede e levou a que as principais autoridades brasileiras de direitos difusos tenham emitido uma recomendação conjunta diante de uma potencial violação de direitos à proteção de dados pessoais.

Para abrir o debate, a Diretora de Políticas de Privacidade para a América Latina da Meta, Paula Vargas, explicou que a empresa possui a responsabilidade de proteger os dados pessoais dos usuários. Assim, oferece ferramentas de controle para que possam gerenciar seus dados. Além disso, frisou que a empresa trabalha pautada pela transparência, com abertura acerca das práticas empregadas e das informações necessárias aos usuários para processos de tomadas de decisões informadas. Nisso, a política de privacidade do WhatsApp serve como instrumento de transparência aos usuários dentre os mecanismos de comunicação adotados.

Em seguida, Juliana Oms, advogada no Idec, comentou a atuação da Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) a respeito do caso WhatsApp desde quatro principais aspectos: compartilhamento de dados com o grupo Meta, dados pessoais sensíveis, tratamento de dados pessoais de crianças e adolescentes e bases legais utilizadas. Após, a pesquisadora explicou que o Idec acompanha a pauta de privacidade no WhatsApp desde 2016 e enfrentou dificuldades nesse processo devido a falta de transparência. Com isso, sinalizou que espera que as investigações por parte da ANPD tenham continuidade, uma vez que a questão segue em desenvolvimento.

Por sua vez, trazendo uma perspectiva do setor público, María Isabel Navarro Alonso abordou como a Agência Espanhola de Proteção de Dados lidou com o caso WhatsApp desde antes das polêmicas modificações na política de privacidade. Na mesma tônica de preocupações em relação à proteção de dados dos usuários, a servidora notou que o caso culminou em uma sanção à empresa, com determinações de que a política de privacidade se adequasse para cumprir determinações do Regulamento Geral de Proteção de Dados (GDPR).

Ainda sobre experiências locais, a pesquisadora Johanna Faliero (UBA) abordou as repercussões do caso no cenário argentino. Faliero trouxe ao debate sua experiência de atuação direta no caso, uma vez que questionou as alterações na política de privacidade da plataforma perante a Dirección Nacional de Defensa del Consumidor y Arbitraje del Consumo de Argentina. Compartilhando preocupações das falas anteriores, a advogada pontuou que as cláusulas nos termos e condições de privacidade e gestão de dados adotam condições de tratamento em uma modalidade contratual agressiva. A advogada indicou, ainda, que tais termos põem em jogo informações sobre os titulares, e incluem cláusulas de maximização de lucros que se caracterizam como de natureza abusiva.

Retomando o olhar do setor público, Waldemar Gonçalves Ortunho, Diretor Executivo da Autoridade Nacional de Proteção de Dados, considerou o caso WhatsApp emblemático e discorreu sobre as ações realizadas pela Autoridade diante das mudanças nas políticas de privacidade da empresa. Nisso, trouxe mais detalhes sobre o processo de elaboração da recomendação conjunta emitida pelos órgãos CADE, ANPD, Senacon e MPF. O Diretor-presidente da ANPD também chamou atenção para o fato de que a instituição possui tão somente 1 ano e 7 meses de existência e que foi criada em um cenário de pandemia, instabilidades e restrições orçamentárias, mas que as dificuldades têm sido gradualmente superadas com avanços como a recente medida provisória que conferiu independência à ANPD.

A seguir, Lucía Camacho Gutiérrez (DeJusticia) comentou como o caso repercutiu na Colômbia. Por um lado, notou uma importante articulação por parte de autoridades: por exemplo, a Superintendência de Indústria e Comércio do país elaborou um questionário amplo e detalhado para examinar se as alterações na política seguiam condizentes com o marco regulatório de proteção de dados na Colômbia. Por outro lado, a pesquisadora avaliou que a grande repercussão midiática não foi seguida de uma análise mais aprofundada e debate sobre o tema em outras instâncias.

Por fim, Adrián Ganino, diretor da Dirección Nacional de Defensa del Consumidor y Arbitraje del Consumo da Argentina, destacou a importância da atuação da sociedade civil na pauta. Ganino pontuou que o setor desempenha um papel fundamental na defesa de direitos de titulares em questões como a do caso WhatsApp. Além disso, o diretor abordou em sua fala desenvolvimentos regulatórios sobre proteção de dados e consumo na Argentina, bem como sinalizou que a interlocução entre os diversos setores que conformam o Estado é fundamental.

No encerramento do webinar, os painelistas comentaram desafios e aprendizados de pontos como as alterações no processo realizado no Meta, as perspectivas de usuários e consumidores no Brasil e o papel educativo de sanções para o setor empresarial e promoção da cidadania.

A gravação do webinar está disponível aqui

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