Por: Vinicius Silva

A recente decisão da Prefeitura do Rio de Janeiro de exigir a retirada de mais de 400 câmeras da empresa Gabriel de áreas públicas joga luz a um debate central sobre os rumos da vigilância urbana no Brasil. O anúncio foi feito durante uma sessão da CPI das Câmeras na Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj), escancarando a expansão desordenada de sistemas de vigilância, operados por entes privados e integrados, formal ou informalmente, as forças de segurança, sem uma regulação clara e eficaz.

Hoje, não há uma normativa federal que estabeleça os limites, parâmetros técnicos e salvaguardas de direitos para a implementação de câmeras inteligentes, reconhecimento facial ou outras tecnologias de monitoramento. A Portaria 961/25 do Ministério da Justiça e Segurança Pública foi um passo inicial ao criar diretrizes para o uso de tecnologias de vigilância no âmbito da segurança pública federal, mas é insuficiente para enfrentar a multiplicidade de arranjos locais. Municípios e estados seguem implantando sistemas com pouca ou nenhuma avaliação de impacto, em contrariedade a princípios da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD) e aos direitos fundamentais, como privacidade, não discriminação e liberdade de expressão e reunião.

A situação no Rio de Janeiro não é isolada. Curitiba, com o projeto Muralha Digital, São Paulo com o programa Smart Sampa, e outras cidades como Salvador, Porto Alegre e Cuiabá, vêm implementando redes de câmeras e sistemas de análise algorítmica com mínima participação social e controle democrático. Essa expansão acelerada e fragmentada cria riscos concretos, como coleta massiva de dados pessoais sem consentimento, integração opaca com bancos de dados e uso de algoritmos enviesados, que amplificam práticas discriminatórias já estruturais.

A proteção dos direitos digitais nesse contexto exige mais do que a retirada pontual de equipamentos. É necessária uma estrutura normativa que defina os limites, requisitos técnicos, mecanismos de auditoria e participação social efetiva. Conforme o monitoramento já em curso realizado pela Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) o uso destas tecnologias de vigilância devem ser precedidas por avaliações de impacto em direitos humanos, contendo salvaguardas contra abusos e usos desviados. Isso significa também prever sanções e desativar sistemas que não atendam a padrões mínimos de transparência, segurança e não discriminação.

A investigação conduzida pelo The Intercept já havia revelado um modus operandi alarmante da empresa. A Gabriel mantinha uma rede de comunicação extralegal, via Whatsapp e Telegram, com agentes das polícias do Rio de Janeiro e São Paulo, por meio da qual imagens de pessoas detidas circulavam entre funcionários da empresa antes mesmo de qualquer formalização ou autorização oficial. Esse fluxo informal de dados evidência a ausência de controles institucionais e expõe o caráter clandestino da atuação da startup, subvertendo os trâmites legais e os procedimentos institucionais. 

A Data Privacy Brasil, através do projeto IA e Dataficação da Segurança Pública, propõe o debate sobre marcos normativos transparentes, com base na LGPD e em princípios internacionais de direitos fundamentais, que condicionem a adoção de tecnologias de vigilância a critérios de necessidade, proporcionalidade e controle social, dentro de um rol restrito de atuação. Isso inclui a exigência de auditorias independentes, relatórios públicos de impacto, e a participação ativa da sociedade civil no desenho, monitoramento e avaliação desses sistemas, enquanto o banimento de algumas tecnologias intimamente intrusivas ainda não for uma realidade.

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