Ativistas latino-americanos fazem balanço sobre proteção de dados pessoais na Bolívia
Evento realizado na Bolívia foi guiado pelo contexto cada vez mais datificado da América do Sul
No dia 24 de março, no Auditório do Ministério da Educação da República da Bolívia, ocorreu o encontro “Perspectivas sobre la protección de datos personales”, organizado pela Internet Bolivia, organização sem fins lucrativos sediada em La Paz, com apoio da Internews e o projeto “Advogando por Responsabilização, Proteção e Transparência de Dados” (ADAPT). O encontro, realizado de forma híbrida, teve como objetivo realizar um balanço sobre o cenário de regulação e proteção de dados pessoais na América do Sul.
Participaram presencialmente Cielito Saravia (Internet Bolivia), Alberto Moscoso (Adesproc Libertad GLBT) e Carlos Guerrero (ex-diretor da Hiperderecho no Peru). Falaram de forma virtual Maria Paz Canales, assessora de política global da Derechos Digitales, e Rafael Zanatta, diretor da Associação Data Privacy Brasil de Pesquisa.
A Bolívia passa, há alguns anos, por um processo de construção de uma Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais e encontra obstáculos e percalços similares aos que passaram Brasil e Chile nos últimos anos. As apresentações de Maria Paz Canales e Rafael Zanatta focaram nas lições institucionais e sugestões para o debate boliviano, tendo em mente as novas formas de usos abusivos de dados por governos e empresas, a necessidade de institucionalização de autoridades independentes e bem equipadas, a ampla participação da sociedade civil e as alianças táticas para consolidar uma legislação focada nas pessoas e não somente nas oportunidades de negócios e fluxos internacionais de dados.
“A experiência brasileira gerou um longo processo de construção democrática tendo como pano de fundo a tradição consumerista e civil-constitucional brasileira. Não foi apenas uma cópia da Europa, como muitos tentam dizer”, sintetizou Zanatta.
Saravia e Moscoso apresentaram uma visão crítica sobre como populações vulneráveis, mulheres com exposição política, crianças e ativistas de diversidade sexual são afetados com maior risco pelo tratamento de dados pessoais sem consentimento. Houve, também, o debate sobre soberania de dados indígenas. A população boliviana é composta por mais de 10 milhões de habitantes, dos quais 62% são indígenas. Em Charagua, com população de cerca de 32 mil pessoas, a população indígena também compõe mais da metade dos habitantes (67%).
Ao todo, mais de 700 pessoas se inscreveram no evento, que teve o auditório lotado em La Paz. A Internet Bolivia defende que o país aprove uma lei geral de proteção de dados pessoais com enfoque nas assimetrias de poder, na situação de vulnerabilidade das pessoas, uma lista de princípios vinculantes para a proteção de dados e uma autoridade independente para fiscalização e garantia desses direitos.
Segundo Verônica Salinas, pesquisadora do InternetBolivia e uma das responsáveis pela organização do evento, o encontro foi primordial para entender a avançar nos debates acerca da revolução tecnológica que América Latina e o mundo vivem hoje. Ainda de acordo com ela, o caminho é repleto de obstáculos e desafios e é imprescindível unificar a voz da sociedade civil para a garantia dos direitos digitais.
“De tudo o que foi abordado neste Seminário, é fácil inferir que a proteção efetiva de dados pessoais pode ajudar a melhorar a qualidade de vida dos pessoas e, por sua vez, garantir o exercício de outros direitos. […] Há uma necessidade urgente de regulamentar normativamente a utilização de dados pessoais, tendo em conta que é obrigação dos governos proteger e garantir os direitos da população em todas as áreas”, concluiu Verônica.
A Constituição da Bolívia assegura aos bolivianos e bolivianas os direitos de autoidentificação cultural, o respeito à privacidade, intimidade, honra, imagem e dignidade, a liberdade de pensamento e espiritualidade, a liberdade de associação e reunião, a liberdade de acesso à informação, de forma individual ou coletiva, e o direito de se expressar e difundir pensamento e opiniões por qualquer meio. O artigo 130 da Constituição assegura o direito constitucional de ação de proteção da privacidade (acción de protección de privacidad), que pode ser exercido de forma individual ou coletiva para eliminar, corrigir ou se opor ao uso abusivo de dados pelo poder público ou privado.
A Bolívia é um dos países mais diversos da América do Sul e um dos poucos países a não possuir uma legislação sobre proteção de dados pessoais. A Constituição Boliviana de 2009 reconheceu a diversidade étnica do país e oficializou 36 etnias indígenas com suas línguas em todo o território nacional. Entre as várias questões em debate sobre proteção de dados pessoais está a pauta da “soberania de dados indígenas”, que envolve elementos de autodeterminação coletiva, cuidado, respeito aos valores comunitários e benefícios coletivos no tratamento de dados pessoais.
O Anteproyecto de Ley Ciudadana de Privacidad y Protectión de Datos Personales segue em discussão no país, impulsionado pelas ações da Internet Bolivia e outras organizações civis.
O evento pode ser conferido na íntegra pelo link.
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