Em 13 de janeiro de 2022, a Associação Data Privacy Brasil de Pesquisa e mais de 100 organizações de direitos humanos e direitos digitais enviaram carta aberta à Senhora Faouzia Mebarki, Secretária do Comitê responsável pela elaboração de um novo tratado de crimes cibernéticos da Organização das Nações Unidas (ONU).

A Sra. Mebarki é responsável pelos trabalhos da ONU na elaboração de uma Convenção Internacional sobre Uso de Tecnologias da Informação e Comunicação para Fins Criminais. A carta, assinada também por David Kaye (relator para liberdade de expressão da ONU), Wolfgang Kleinwätcher (Universidade de Aarhus), Marietje Schaake (Stanford Cyber Policy Center) e os professores brasileiros Danilo Doneda, Fabiano Menke e Jacqueline Abreu, pede atenção a salvaguardas procedimentais e de direitos humanos para que não ocorra a erosão de direitos fundamentais relacionados à privacidade e proteção de dados pessoais.

O texto partiu da iniciativa de mais de 100 organizações, entre elas Electronic Frontier Foundation, Human Rights Watch e Access Now. As entidades signatárias do documento argumentam que, se a convenção da ONU sobre crimes cibernéticos proceder, o objetivo deve ser o combate ao uso de tecnologias de informação e comunicação para fins criminais sem prejudicar os direitos fundamentais daqueles que se pretende proteger. Desta maneira fica assegurado que as pessoas possam livremente desfrutar e exercitar seus direitos, online e offline, garantindo salvaguardas de direitos humanos claras e robustas.

A carta argumenta que “não há consenso sobre a definição de cibercrimes” e que as definições jurídicas de uma Convenção devem se ater ao mínimo necessário para cooperação internacional. Textos expansivos de criminalização de condutas podem levar a efeitos nefastos de criminalização da sociedade civil e impacto na atividade de jornalistas e pesquisadores. Portanto, a carta exige que normas que possam violar os direitos à privacidade e proteção de dados pessoais devem estar ancoradas em princípios de legalidade, necessidade e proporcionalidade.

A carta também exige um processo mais inclusivo e democrático no decorrer dos trabalhos da elaboração da Convenção na ONU. Dentre os pedidos feitos, estão:

  • Credenciamento de especialistas acadêmicos e da área de tecnologia, e organizações não governamentais interessadas, incluindo aqueles com expertise relevante em direitos humanos mas que não tem um status consultivo em relação ao Conselho Econômico e Social da ONU, em tempo hábil e de forma transparente, permitindo que os grupos participantes registrem múltiplos representantes para possibilitar a participação remota através de diversos fuso-horários.
  • Garantia de que as modalidades de participação reconheçam a diversidade de atores não governamentais, dando a cada grupo interessado tempo adequado de fala, considerando que a sociedade civil, setor privado e academia podem ter visões e interesses distintos.
  • Garantia de participação efetiva de organizações credenciadas, incluindo a oportunidade de receber em tempo justo acesso a documentos, providenciar serviços de tradução e falar nas sessões do Comitê  (pessoal ou remotamente), e submeter por escrito notas técnicas e recomendações.
  •   Manter atualizada uma página online dedicada a informações relevantes, como informações práticas (detalhes sobre o credenciamento, horário/localização, e participações remotas), documentos organizacionais (i.e., agendas, documentos de discussão, etc.), depoimentos e outras intervenções feitas por Estados e outros atores, documentos de referência, documentos de trabalho, rascunhos e atas de reuniões.

A Associação Data Privacy Brasil de Pesquisa submeteu candidatura para participação de modo a apontar as particularidades do cenário nacional quanto ao tratamento de dados pessoais em investigações criminais, garantindo o respeito aos direitos humanos e harmonia com o quadro normativo brasileiro. A atuação segue a linha de projetos já concluídos e em andamento, como o Novas Fronteiras dos Direitos Digitais, Defendendo o Brasil do Tecnoautoritarismo e Vigilância na Fronteira.

A carta completa pode ser acessada aqui, com todas as organizações signatárias. O primeiro encontro do Comitê Ad Hoc estava previsto para 17/01/2022, em Nova Iorque, mas foi postergado por conta do aumento de casos positivos com o avanço da variante Ômicron. No site é possível encontrar mais informações sobre o comitê.

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