A humanidade não pode se dar o luxo de ignorar as emergências climáticas e todo esforço para combater o desmatamento se soma à contagem regressiva das condições de vida na terra. No entanto, o poder público tem utilizado interpretações da Lei Geral de Proteção de Dados para impedir a publicização de informações relativas a proprietários rurais em territórios com fortes indícios de desmatamento.

É o que aponta o relatório “Políticas ambientais, transparência pública e proteção de dados: a viabilidade jurídica para compartilhamento de dados pessoais no âmbito do Cadastro Ambiental Rural” resultado do projeto “Ambiente e informação: contestando a instrumentalização política da LGPD na regulação ambiental” realizado pela Associação Data Privacy Brasil de Pesquisa com apoio do Instituto Clima e Sociedade. 

A pesquisa se concentrou na análise das decisões que impediram o compartilhamento de dados pessoais presentes no Cadastro Ambiental Rural (CAR), em resposta a pedidos de acesso à informação durante o ano de 2021.

O estudo avaliou a conformidade do CAR com a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) e contrapôs os argumentos utilizados pelo poder público para impedir a divulgação de informações de interesse público relacionadas à regulação ambiental.  

De acordo com o coordenador da pesquisa Pedro Saliba  “A pesquisa demonstrou que a administração pública interpretou de forma equivocada a Lei Geral de Proteção de Dados, assumindo que não haveria possibilidade de publicizar dados pessoais, inclusive utilizando conceitos jurídicos inexistentes no ordenamento legal. Nosso trabalho é para descontruir esse argumento a partir de garantias constitucionais”.

O relatório destacou a assimetria no tratamento de dados pessoais, onde o sigilo é a regra para proprietários rurais, enquanto beneficiários da reforma agrária têm seus nomes expostos pela administração pública. Foi argumentado que o tratamento de dados pessoais do CAR não está de acordo com a legislação nacional e tratados internacionais que o Brasil é signatário.

Os principais achados do estudo foram:

  • A insuficiência da disponibilização de dados sobre proprietários de terras para atingir as finalidades de combate ao desmatamento do CAR e o uso da LGPD como argumento para evitar o compartilhamento dessas informações.
  • Análise de um processo de solicitação de informação em que dados pessoais de proprietários de terra em áreas de desmatamento foram bloqueados com base no risco potencial à honra e imagem desses proprietários.
  • Questionamento sobre os interesses por trás do bloqueio e o impacto sobre os direitos difusos e coletivos da população brasileira.
  • Interpretações equivocadas da legislação brasileira que levam ao sigilo de informações, apesar de a LGPD e a Lei de Acesso à Informação permitirem a divulgação de dados pessoais com proteção legal.

Com base nas conclusões, o relatório apresenta as seguintes recomendações:

  • Abertura da base de dados do CAR para identificar proprietários relacionados a alertas de desmatamento.
  • Alteração das instruções normativas para ampliar o rol de dados do CAR que devem ser publicizados e evitar a lógica do sigilo sobre dados pessoais.
  • Treinamento de servidores públicos envolvidos na análise de pedidos de acesso à informação relacionados à questão ambiental para garantir o tratamento adequado e seguro dos dados.

O estudo ainda propôs modelos de interpretação jurídica que combinam o direito à informação com a proteção de dados pessoais em políticas ambientais. Também foram apresentados exemplos de práticas existentes de transparência ativa e passiva de dados do CAR.

Considerando que o estudo também traz recomendações e propostas para um novo olhar para a divulgação de dados pessoais pelo poder público, o relatório está sendo encaminhado por meio de ofício ao Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima, ao Serviço Florestal Brasileiro, à Corregedoria Geral da União, à Autoridade Nacional de Proteção de Dados Pessoais e ao Ministério de Gestão e Inovação de Serviços Públicos, atual gestor do CAR. 

Para saber mais acesse o relatório completo.

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