Entre os dias 08 e 12 de outubro, a Data Privacy Brasil participou, presencialmente, do Fórum de Governança da Internet (IGF). A edição deste ano aconteceu em Quioto, no Japão. O IGF, que acontece sob os auspícios da Organização das Nações Unidas (ONU), foi formalmente criado durante a segunda fase da Cúpula Mundial sobre a Sociedade da Informação (CMSI) em 2005. 

Ao longo dos anos, o IGF se constituiu como o principal espaço multissetorial para a identificação e fortalecimento de uma agenda global de governança da Internet e de novas tecnologias. Nesse sentido, os diferentes atores de todo o mundo se reúnem anualmente para debater os temas “mais quentes” dessas agendas. As discussões que surgem nesse espaço influenciam direta e indiretamente nas pautas de fóruns locais/regionais, como o Fórum da Internet no Brasil.

A agenda ampla e volumosa de atividades que ocorrem simultaneamente nos cinco dias do evento tornou a participação no IGF bastante intensa. Ao mesmo tempo, foi uma experiência desafiadora e gratificante, de muito aprendizado proporcionado pelas trocas culturais e de muito saber que o espaço permite. 

O tema do IGF deste ano foi “The Internet We Want” e, em linhas gerais, tiveram destaque discussões relacionadas aos impactos da inteligência artificial, o futuro da governança da Internet e a crise do modelo multissetorial. Por lá, a Data Privacy Brasil participou de três painéis e nossa equipe também se envolveu em outras atividades, debatendo assuntos como o uso de blockchain em sistemas de identidade digital, a relação entre o desenvolvimento de padrões técnicos e direitos humanos, a fragmentação da Internet, e os direitos das crianças e adolescentes no mundo online. Tivemos a oportunidade também de lançar o relatório Voices From the Global South, já disponível para leitura no nosso site. 

Apesar da sua importância, o futuro do IGF nos parece incerto, tendo em vista que o fim de seu mandato acontecerá em 2025, pendente de renovação pela Cúpula Mundial para a Sociedade da Informação (WSIS+20 no acrônimo em inglês). Essa incerteza está atrelada ao surgimento de outros processos a nível internacional, como o Pacto Global Digital, acompanhado da Cúpula do Futuro, que pretendem ser novos espaços institucionais, atrelados à ONU, para discussões sobre a agenda de governança global de novas tecnologias – o que inclui a Internet. 

O surgimento desses novos processos está desencadeando o que se denomina de fragmentação da Governança da Internet. Segundo o documento de discussão produzido pela Policy Network de Fragmentação da Internet, organizada pelo IGF, essa expressão da fragmentação é caracterizada pela interação não coordenada entre a governança global da Internet e os organismos de padronização, o que pode levar a discussões isoladas e/ou duplicadas de determinados temas e à exclusão de determinados setores, resultando na tomada de decisão sem o consenso da comunidade da Governança da Internet. 

Isso é uma questão a ser enfrentada, tendo em vista que, originalmente, o modelo de governança da Internet foi constituído por uma rede complexa de organismos que se orientam por um modelo multissetorial, descentralizado e, via de regra, em um formato bottom-up. Significa dizer que não existe uma única instituição que centraliza todos os processos de Governança da Internet; ou seja, há uma série de organizações, como a Corporação da Internet para Atribuição de Nomes e Números (ICANN) e a Força-Tarefa de Engenharia da Internet (IETF), além de iniciativas regionais e nacionais, que constituem esse ecossistema de governança, organizado de forma distribuída.

Contudo, a emergência de novos processos e espaços institucionais encabeçados, majoritariamente, pela ONU, e voltados para discussões acerca das agendas de governança da Internet e de novas tecnologias, cria um contexto de concorrência de mandatos com algumas organizações já consolidadas nesse ecossistema, como aquelas mencionadas anteriormente, o que pode resultar em uma fragmentação da governança e coordenação da Internet. E diferentemente do histórico multissetorial, na ONU as decisões são tomadas em âmbito multilateral, ou seja, somente por Estados-nacionais, ainda que possam haver consultas de caráter público.

No IGF 2023, foi possível observar preocupações acerca desse tipo de fragmentação, através da repercussão das incertezas sobre o futuro do evento, junto a críticas relacionadas aos próximos passos do Fórum: para a edição de 2024, Riad, capital da Arábia Saudita, foi escolhida como a cidade sede do evento. Essa decisão repercutiu negativamente na comunidade internacional de ativistas por Direitos Humanos e direitos digitais, considerando as reiteradas violações de Direitos Humanos pelo país. 

Nota-se, a partir desses apontamentos, que o IGF se encontra em um momento de avaliação e reformulação. Apesar desses desafios, entendemos que o espaço segue de extrema importância para a consolidação e reformulação do modelo multissetorial de governança da Internet. Assim, por ora, nos resta lutar para que o mandato do IGF seja renovado na Cúpula Mundial para a Sociedade da Informação de 2025, e que seja fortalecido para que decisões sejam tomadas de modo coordenado e multissetorial.

Os pesquisadores da Data Privacy Brasil Nathan Paschoalini, Louise Karczeski e Marina Meira estiveram presentes na 18° edição do IGF.

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