Após alguns meses de questionamentos e atuação da Coalizão Direitos na Rede (CDR), o Ministério Público Federal do Pernambuco (MPF/PE) decidiu instaurar inquérito para averiguar a legalidade de acordos de cooperação técnica que previam a “degustação experimental” de dados de milhões de brasileiros. Os acordos em questão permitiam que instituições financeiras tivessem acesso aos bancos de dados da Identidade Civil Nacional (ICN) e da plataforma gov.br de forma gratuita.

A manifestação do MPF/PE pela instauração do inquérito civil reconsiderou decisão anterior que determinava o arquivamento do procedimento preparatório que analisava o caso. A apuração se dá em relação a acordos de cooperação técnica (ACT) firmados entre o Ministério da Economia, por meio da Secretaria de Governo Digital (SGD), e a Federação Brasileira de Bancos (Febraban) e a Associação Brasileira de Bancos (ABBC). Essas, segundo o acordo, teriam acesso temporário a dados biográficos e biométricos de milhões de brasileiros. 

A investigação, além de mirar os acordos celebrados pela pasta com as instituições em questão, busca avaliar suspeitas de violação à Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD). Na argumentação que reconsidera o arquivamento, o MPF destaca que a Associação Data Privacy Brasil de Pesquisa e o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor – Idec, ambas organizações integrantes da Coalizão Direitos na Rede, apresentaram questionamentos sobre o mérito dos acordos à SGD e à Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD), respectivamente, mas não obtiveram resposta ou, quando obtiveram, não foi “satisfatória”. 

Histórico 

A decisão de compartilhar informações sensíveis de milhões de brasileiros com bancos, sobretudo com a justificativa de se tratar de uma “degustação experimental”, não só teve grande impacto midiático como também chamou atenção de parlamentares e representantes da sociedade civil. O Idec e a Associação Data Privacy Brasil de Pesquisa enviaram ofícios à Autoridade Nacional de Proteção de Dados e à Secretaria de Governo Digital, respectivamente, requerendo o esclarecimento de dúvidas em relação aos ACTs.

A atuação das entidades, além de questionar qual seria o interesse público no uso desses dados por instituições financeiras, foi ao encontro com procedimento preparatório instaurado pelo Ministério Público Federal de Pernambuco. A atuação do MPF/PE surgiu a partir de representação enviada pelo Deputado Federal Carlos Veras (PT/PE). Em paralelo, a SGD optou por suspender temporariamente os testes de validação biográfica e biométrica previstos nos acordos. 

Apesar da suspensão dos ACTs, mantêm-se preocupações relacionadas às bases de dados do governo brasileiro e como essas informações são tratadas. O acordo, que firmava a distribuição de dados com os bancos, não tinha os seus termos claros, por exemplo. Informações como a delimitação de base legal para essa operação de tratamento de dados e qual o interesse público por trás do intercâmbio de dados pessoais sensíveis detidos e geridos por órgãos públicos com instituições bancárias não eram expostos nos termos da determinação. 

Mesmo diante dessas questões e da atuação da sociedade civil, o MPF/PE decidiu pelo arquivamento do procedimento preparatório, por considerar que a Secretaria de Governo Digital respondeu de forma satisfatória os questionamentos realizados sobre os acordos.

Nesse contexto, a CDR continuou acompanhando o caso e pressionando as autoridades por uma explicação sobre o tratamento de dados pessoais pelo poder público, por meio da apresentação de recurso em relação à decisão de arquivamento do procedimento preparatório. Essa atuação levou o MPF a reconsiderar sua decisão anterior e determinar a instauração de inquérito civil.  

Confira aqui os questionamentos apresentados pela Associação Data Privacy Brasil de Pesquisa à Secretaria de Governo Digital.

*Texto com revisão de Marina Meira 

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