Em ofício enviado ao Ministério Público Federal (MPF) nesta quinta-feira (10), a Associação Data Privacy Brasil de Pesquisa pediu a abertura de inquérito para investigar o uso, por parte do Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP), do sistema de vigilância conhecido como Córtex. O documento foi elaborado e enviado ao MPF em conjunto com as ONGs de direitos humanos e direito digital Conectas, Transparência Internacional – Brasil e Artigo 19

A representação elaborada pelas ONGs aponta que o Governo Federal, através do MJSP, utiliza, sem parâmetros legais e sem transparência, o sistema tecnológico “Plataforma Integrada de Operações e Monitoramento de Segurança Pública”, ou Córtex, para coleta e tratamento de dados pessoais. Segundo a petição, o uso indiscriminado e sem supervisão do sistema representa um elevado risco à liberdade de expressão, ao devido processo legal e outros direitos e garantias fundamentais.    

Ainda, de acordo com ofício, o Córtex seria a junção de outros sistemas já utilizados por órgãos da segurança pública. Um deles é o “Alerta Brasil”, programa de monitoramento de veículos nas rodovias federais que utiliza câmeras com leitor de placas, utilizado pela Polícia Federal (PF). Além disso, é destacado que a ferramenta de vigilância está sob a Gestão da Secretaria de Operações Integradas do MJSP (Seopi), mesmo orgão responsável por produzir o chamado “Dossiê Antifascista” e que tentou adquirir sistema de espionagem em massa.

A plataforma, que por meio de portaria teve o seu uso regulamentado em setembro de 2021, é capaz de unificar informações públicas de mais de 160 bases de dados com a capacidade de definir alvos para cercamento eletrônico e monitoramento persistente. O sistema Córtex, para além de órgãos federais, está disponível para Polícias Militares, Civis e, até mesmo Guardas Civis Metropolitanas.  

Cobertura Midiática 

Em matéria publicada em setembro de 2020, período em que já havia o uso do sistema mesmo sem ato normativo regulamentando, o veículo The Intercept Brasil, foi o primeiro a realizar uma investigação acerca do Córtex e a sua utilização. A apuração realizada pela reportagem constatou que o sistema em questão, além de possuir acesso em poucos segundos a bancos de dados, como por exemplo a Relação Anual de Informações Sociais (Rais), do Ministério da Economia, é capaz, a partir da placa do carro, de saber toda a movimentação de uma pessoa e com quem ela se encontrou.    

Ainda, segundo a matéria, além do Rais, com a ferramenta é possível acessar os bancos de dados do Departamento Nacional de Trânsito (Denatran), O Sistema Nacional de Segurança Pública (Depen), o cadastro nacional de CPFs, entre outros. Todos esses dados, por meio do Córtex, podem ser cruzados com históricos de informações pessoais, incluindo boletins de ocorrência e passagens pela polícia.

Mais de um ano após a publicação, a Revista Crusoé investigou a fundo o sistema em reportagem. Além de confirmar as informações conseguidas pelo The Intercept, a matéria mostra que o sistema teve a sua utilização ampliada. Por meio de entrevistas com policiais, usuários do Córtex e especialistas, incluindo o diretor da Associação Data Privacy Brasil de Pesquisa, Rafael Zanatta, a matéria apurou que o sistema possui acesso a imagens de mais de 26 mil radares espalhados pelo Brasil e dados de companhias aéreas. A publicação constatou também que o sistema já monitora 360 mil alvos, segundo o próprio Ministério da Justiça informou à reportagem.

Encaminhamentos e disposições 

A Associação Data Privacy Brasil, a Conectas, a Transparência Internacional e Artigo 19 solicitam no ofício informações a fim de saber quais dados estão sendo tratados pelo sistema e quais as finalidades desse tratamento. Ademais, segundo as organizações, é de suma importância saber quais autoridades possuem acesso a essas informações e quais são as salvaguardas de segurança para evitar o uso indevido do sistema Córtex. 

Por fim, as organizações, por meio do documento, confirmando o grande número de averiguações e motivos substanciais, solicitam, além da imprescindível atuação do Ministério Público Federal no caso, acesso ao código fonte do Sistema Córtex, oitiva das autoridades responsáveis pela gestão e informações sobre a possível existência de pessoas “politicamente expostas” monitoradas pelo sistema.  

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